Os desafios das fabricantes de veículos e sua resignificação pelos próximos 15 anos
Recentemente, entrevistamos presidentes, ex-presidentes e dirigentes de P&D, inovação e estratégia de 12 das 20 montadoras que mais vendem automóveis no Brasil.
Fizemos a eles as seguintes indagações: o Programa Rota 2030 leva o senhor/a senhora a pensar em um futuro a mais longo prazo no Brasil? (Lembrando que o Programa é composto por três ciclos de cinco anos cada.)
Qual é a visão de futuro que o senhor/a senhora tem de sua companhia daqui a quinze anos e como ela estará estruturada nesse horizonte de tempo? Alguns dos entrevistados se deixaram levar pela tentação de discutir produto e não modelo de negócio, mas, peneiradas as respostas, um conceito aparece quase que uníssono entre eles: plataforma. Seremos plataforma.
A resposta vem claramente inspirada nas organizações de grande sucesso da atualidade no mundo. Elas estão longe de ser fábricas ou de simplesmente vender produtos: Amazon, Google, Spotify, Netflix e suas congêneres não se encaixam nas velhas categorias. Não são indústria nem prestação de serviços. São plataformas.
No oriente do Ali Baba, da Xiaomi, da Samsung e muitas outras está acontecendo a mesma coisa. Entendemos que foi isso que esses dirigentes quiseram nos dizer. Mas haveria, de verdade, planos estabelecidos a respeito do que mudar para se aproximar desse modelo de negócios? Estariam os fabricantes dispostos a dar menos atenção às fábricas de automóveis, tão bem-sucedidas por tantos anos, e reformar profundamente as companhias? Os fabricantes tradicionais desapareceriam para dar lugar a organizações com essa nova configuração?
Antes de tentar responder a essas indagações vale discutir uma pergunta anterior: o que precisamos mudar, afinal, para nos tornarmos uma empresa-plataforma? É bem verdade que o termo “plataforma” foi adotado pela primeira vez pela própria indústria automobilística para designar o conjunto dos principais componentes do projeto de um veículo, o qual, por sua vez, dará origem aos diversos modelos. No entanto, esse conceito pouco tem a ver com o mais amplo significado atribuído às empresas que mencionamos há pouco, estruturadas em redes e focadas no que é importante para proporcionar experiências encantadoras para os clientes; empresas, enfim, que operam como plataformas. Esperamos que os dirigentes que mencionaram a guinada para as plataformas compreendam de que mudanças estão verdadeiramente falando.
Para o setor auto, poderíamos destacar pelo menos três transformações que consideramos fundamentais.
A primeira é compreender que ser plataforma significa deslocar o foco original de produto que a empresa industrializava até então para os serviços que ela irá agregar. Mais: para a experiência que o cliente vivenciará ao longo de toda a jornada de compra e utilização do bem, de modo a criar real valor para ele. Tornar-se plataforma exigirá diversas e profundas mudanças. Novas tecnologias, design centrado na experiência do cliente, identificação rápida de tendências e técnicas ágeis de gestão, entre outras. Trata-se de uma mudança de paradigma essencial.
A segunda transformação consiste na identificação de parceiros estratégicos e na genuína disposição de construir sólidas parcerias. Para nós, “sólidas parcerias” quer dizer muito mais do que subjugar fornecedores ou mesmo engolir startups. Significa construir reais arranjos ganha-ganha com parceiros que tenham as competências necessárias para permitir à sua montadora uma elevação significativa na experiência do cliente.
Para completar a lista, a terceira mudança essencial diz respeito à cultura organizacional. Nada acontecerá se não forem revisados os valores organizacionais e as novas atitudes a eles alinhadas. Como falou o CEO da Microsoft, Satya Nadella: “Mudança de cultura não é uma abstração. É realmente avançar no caminho”. É possível e necessário mudar a cultura das empresas. Revisitar corajosamente os valores (em geral considerados intocáveis) e ajustá-los, trabalhando em seguida as atitudes que devem ser substituídas ou incentivadas.
Coragem! Quinze anos passam rápido!
Fonte: Valter Pieracciani/sócio-diretor da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas