A variação de custos médico-hospitalares (VCMH) do Brasil, principal indicador usado mundialmente para aferição dos custos em sistemas de saúde pública ou privada, é 2,8 vezes superior à inflação geral da economia, seguindo um padrão global de comportamento, similar ao encontrado nas economias mais desenvolvidas e estáveis. É o que constatou estudo realizado pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), divulgado no 2º Encontro de Comunicação da Saúde Suplementar, promovido pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), em São Paulo. No Reino Unido, por exemplo, a proporção é de 4,2 vezes. O estudo mostra que, em todos os países analisados, a VCMH é significativamente superior à inflação da economia, configurando-se como um fenômeno mundial.
De acordo com Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS, mesmo em países que apresentam inflação geral da economia bastante baixa, como aconteceu no Brasil no ano passado, é possível verificar que a VCMH tem crescido em ritmo bastante acelerado, de dois dígitos. Assim, os dados analisados no estudo mostram que a inflação geral da economia não é o melhor indicador para comparar e medir a evolução dos custos médico-hospitalares, pois essa última possui especificidades que a faz superar de forma consistente a inflação da economia e que ocorrem independentemente dos países e dos sistemas de saúde.
“Um dos motivos é que a variação de custos médico-hospitalares é composta tanto pela variação do preço médio por procedimento de saúde quanto pela variação da frequência de utilização dos procedimentos de saúde. Dessa forma, a VCMH é diferente dos índices de inflação geral ao consumidor, que é resultado apenas da variação de preços de uma determinada cesta de produtos e serviços”, aponta o trabalho do IESS, que reúne e analisa os dados de três das principais consultorias que apuram o comportamento da VCMH no mundo — Aon Hewitt, Mercer e Willis Towers Watson.
— A mudança na forma de remuneração dos hospitais é fundamental para reduzir custos. Na África do Sul, que tem uma realidade de saúde comparável ao Brasil, levou a uma redução drástica e, hoje, a VCMH é equiparada à inflação geral. Além disso, a remuneração por diagnóstico, por exemplo, permite que se avance na avaliação de qualidade da prestação de serviço — afirma Carneiro.
Para o levantamento, foram consideradas as VCMHs apuradas no ano de 2017 – dado mais recente disponível – de mais de 200 operadoras de planos de saúde (OPS) em diferentes países.
PRINCIPAIS CAUSAS E IMPULSIONADORES DA VCMH
Foram identificados no estudo os principais motivos para o alto crescimento dos custos médico-hospitalares no mundo em 2017 e quais as estratégias mais efetivas para combater o problema, assegurando a sustentabilidade econômico-financeira e assistencial do setor. Essencialmente, a principal causa para a expansão da VCMH na saúde está relacionada à incorporação de novas tecnologias e ao processo de envelhecimento populacional, que demanda mais cuidados e serviços em saúde. Vale lembrar que 50% dos custos hospitalares são com internações.
No relatório da Aon, são citados como principais causas do aumento da variação de custos médico-hospitalares o “envelhecimento populacional, aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e avanços tecnológicos que representem aumento de custo devido a novos procedimentos, informações, experiências ou equipamentos”. O impacto dessa transição para os sistemas de saúde é que, apesar de o envelhecimento ser um processo natural do ser humano, ele pode vir acompanhado de uma maior prevalência de doenças e, consequentemente, aumentar as necessidades em saúde – seja pelo aumento da frequência de utilização ou pela complexidade da assistência.
A Mercer, por sua vez, avalia em sua pesquisa como as principais causas para o crescimento dos custos em saúde “os medicamentos de alto custo e as novas tecnologias”. No relatório, a consultoria coloca também que o modelo de pagamento é um importante fator que influencia os custos e que “deve-se incentivar o pagamento por valor”. Os resultados da pesquisa da Towers apontam como principais causas do crescimento do custo em saúde “o custo dos serviços hospitalares e dos serviços médicos, o comportamento dos prestadores e dos beneficiários de planos empresariais e as novas tecnologias médicas”.
Todos os relatórios apontam a incorporação de novas tecnologias como uma das principais causas para o crescimento dos custos médico-hospitalares nos países. Estima-se que desde 1990, a maior parte do crescimento nos gastos com saúde tenha sido gerado por tecnologias caras que trazem pouco benefício ao paciente ou tenha um nível de evidência científica baixo. O relatório da Mercer aponta ainda que uma das razões da incorporação tecnológica afetar tanto a VCMH é a “dificuldade de muitos governos e reguladores avaliarem apropriadamente o valor das novas tecnologias trazidas para o mercado”.
Quanto ao resultado da Mercer que aponta o modelo de pagamento como um fator de aumento da VCMH, verifica-se que um importante fator em comum dos países com alta VCMH é a utilização em larga escala do modelo de remuneração hospitalar de conta aberta por unidade de serviço ou “fee-for-service”. Por exemplo, Brasil e China, que possuem VCMHs de dois dígitos, adotam o modelo de conta aberta como principal método de remuneração hospitalar. Um estudo do IESS sobre o impacto dos modelos de pagamento sobre os gastos com saúde aponta que há indícios de que, quando os incentivos fornecidos pelo modelo de pagamento são mudados, há alteração na tendência de crescimento dos gastos com saúde. Esse estudo mostra que, dentre os 10 países com maior inflação médica em 2016, seis deles possuíam o modelo de pagamento hospitalar majoritariamente do tipo fee-for-service. O estudo afirma que isso pode ser um indicativo de que os países que adotam majoritariamente o fee-for-service têm gerado incentivos perversos para o setor hospitalar, gerando assim maior crescimento dos custos médico-hospitalares.
Os três relatórios estudados argumentam ainda que o combate à prescrição excessiva de exames e procedimentos e o uso inapropriado de serviços médicos, com foco no combate ao desperdício, são elementos fundamentais para conter o avanço acelerado da VCMH.
Fonte: O Globo