Os “Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias” ganharam capítulo próprio na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 151 a 154 da Lei nº 14.133/2021), que prevê a possibilidade de utilização de mediação, conciliação, arbitragem e comitê de resolução de disputas (dispute boards) para a prevenção e solução de controvérsias envolvendo a administração pública.
A inserção de dispositivos sobre os métodos “alternativos” ou “adequados” de prevenção e solução de conflitos acompanha o entendimento adotado em relação a outros diplomas aprovados nos últimos anos, como a Lei nº 13.867/2019 (lei que alterou o decreto que regulamenta desapropriação por utilidade pública) e o novo marco legal do saneamento (Lei nº 14.026/2020).
A norma é clara quanto ao caráter facultativo da utilização de tais métodos, esclarece que o rol é exemplificativo, como sugere a redação do caput do artigo 151 , e dispõe acerca da possibilidade de aditamento dos contratos para previsão de adoção dos métodos “alternativos” (artigo 153).
Ainda, em dispositivo de aplicação geral (artigo 151, parágrafo único), a lei em comento menciona que esses métodos poderão ser utilizados para a resolução de conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis. Não trata da noção de direitos patrimoniais disponíveis, mas exemplifica três hipóteses: o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e o cálculo de indenizações.
Como assinalado, a nova Lei de Licitações e Contratos contempla a arbitragem dentre os métodos alternativos de prevenção e solução de conflitos.
É relevante ponderar que a nova lei, no que se refere à arbitragem, deve ser interpretada considerando-se outros dispositivos legais que versam sobre o tema, em especial a Lei nº 9.307/97 (Lei de Arbitragem), atualizada pela Lei nº 13.129/2015.
Observe-se, por outro lado, que há apenas dois dispositivos que versam especificamente sobre a arbitragem na Lei nº 14.133.
O primeiro, na mesma linha do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei de Arbitragem, prescreve que a arbitragem envolvendo as contratações regidas pela Lei nº 14.133 (1) será sempre de direito e que (2) será observada a publicidade.
O artigo 154, por sua vez, reporta-se a critérios que devem reger os processos de escolha dos “colegiados arbitrais” e dos comitês de resolução de disputas:
“Artigo 154. O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes.”
A Lei nº 14.133 não avança no tratamento da arbitragem (como também não o faz em relação aos outros métodos de resolução de conflitos que exemplifica), sendo necessário, como frisado, que sejam consultados outros diplomas legais que tratam do tema. Fica evidente, também, a necessidade de realização de estudo aprofundado pelos entes públicos e que seja avaliada a necessidade de uma regulamentação mais detalhada, inclusive para que o instituto da arbitragem possa ser utilizado nos moldes previstos na Lei nº 14.133.
Já existem diversos diplomas legais federais e estaduais dispondo com mais detalhamento sobre a arbitragem envolvendo conflitos com a administração pública. Citemos alguns deles: Decreto Federal nº 10.025/2019, Decreto Estadual nº 46.245/2018, do estado do Rio de Janeiro, Decreto nº 64.356/2019, do estado de São Paulo, Lei nº 19.477/2011, do estado de Minas Gerais e Decreto nº 55.996/2021, do estado do Rio Grande do Sul.
Além disso, especificamente a respeito dos dispositivos da Lei nº 14.133, começam a surgir regulamentações, inclusive no tocante aos dispositivos sobre os métodos alternativos de resolução de controvérsias.
Nesse sentido, cabe salientar que o estado do Paraná, pioneiro dentre os Estados-membros a regulamentar a nova lei, incorporou algumas previsões sobre a solução adequada de conflitos no Decreto Estadual nº 10.086/2022.
No que tange à arbitragem, o decreto estadual, na mesma linha da Lei nº 14.133, afirma que a arbitragem (1) será sempre de direito e que (2) será observada a publicidade. O decreto incluiu os seguintes tópicos: (1) previsão de adoção da legislação brasileira; (2) realização da arbitragem no Brasil e em língua portuguesa; (3) possibilidade de padronização pela Procuradoria-Geral do Estado do Paraná de cláusulas compromissórias, preferencialmente escalonadas, contemplando mediação prévia; (4) preferência para a realização de arbitragem institucional; (5) realização de painel arbitral, sendo vedado árbitro único; (6) escolha e cadastramento de câmaras conforme orientação do procurador-geral do estado, (7) podendo a Procuradoria-Geral do Estado estabelecer outras condições para aplicação da arbitragem.
Ademais, o diploma estadual destaca a possibilidade de previsão de cláusulas compromissórias nos contratos de concessão de serviços públicos, as concessões patrocinadas e administrativas e em qualquer outro contrato ou ajuste cujo valor exceda o montante de R$ 20 milhões.
Essas breves reflexões buscaram destacar a relevância da nova Lei de Licitações e Contratos no que se refere à previsão e à utilização da arbitragem para a solução de conflitos relativos a contratos administrativos, sendo importante que os entes públicos e os advogados públicos se debrucem sobre o tema, inclusive para contribuir com eventuais regulamentações específicas no âmbito de suas atuações.
Fonte: ConJur/ Leila Cuéllar e Mariana Yasbek