Muito vem se discutindo a respeito do ensino do Direito no Brasil e, além dos desafios já existentes, temos um novo elemento que provavelmente trará grandes mudanças na atuação e na carreira dos profissionais do Direito, assim como em diversos outros aspectos da sociedade contemporânea. A inteligência artificial.
Entre os fatores que já se apresentam há tempos como desafiadores no ensino jurídico, temos a baixa qualidade da educação de base que aflige o Brasil e implica, consequentemente, dificuldades no ensino superior, pois os estudantes tem dificuldade na assimilação dos conteúdos.
Há também a remuneração não adequada dos educadores e demais funcionários das instituições de ensino, falta de recursos e estrutura nas universidades públicas e a multiplicação de faculdades com qualidade duvidosa.
Conforme divulgado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no Brasil existem mais cursos de Direito que em todos os outros países do mundo somados.
Além dessas questões, estamos diante de uma transformação que seguramente trará impactos relevantes na atuação dos profissionais do Direito e vem causando apreensão no mercado jurídico no que se refere à quantidade de vagas de trabalho, afinal, já existe tecnologia de automação e cognição artificial que detém a capacidade de executar atividades tipicamente humanas e também condições de aprender (machine-learning).
Não estou me referindo apenas a tarefas repetitivas e burocráticas, mas também a setores até pouco tempo inimagináveis. Ampliando um pouco a análise, para além da seara jurídica, verifica-se que, na arte, por exemplo, em 2016, com a participação direta do Watson, um sistema de computação cognitiva da IBM com uma estrutura de inteligência artificial altamente complexa e poderosa, foi feita a composição da música “Not Easy”.
A participação do IBM Watson se deu com a capacidade da máquina de entender a linguagem natural e identificar padrões e temas a partir de dados não estruturados em milhões de conversas em redes sociais e outras fontes relativas à cultura e à música (inclusive a letra dos maiores sucessos musicais) com o objetivo de criar uma verdadeira “paisagem” que refletisse o emocional da sociedade.
O sistema da IBM também aprendeu teoria musical, temas utilizados em músicas, padrões de humor e de emoção, para, em seguida, entender como esses aspectos se relacionam uns com os outros e identificar os principais elementos de uma música de sucesso. Com isso, Alex da Kid (produtor musical inglês), criou com a utilização do IBM Watson a música “Not Easy” e, com seu lançamento, conseguiu figurar pela primeira vez na parada Billboard.
Na área jurídica, já existem diversos exemplos da utilização da inteligência artificial. O Banco JP Morgan, maior banco dos Estados Unidos, vem investindo incisivamente no desenvolvimento de novas tecnologias e já possui um “robô”, baseado em uma rede particular, chamado COI (Contract Intelligence), que interpreta acordos de empréstimo comercial e analisa acordos financeiros.
Estima-se que, por meio do COI, são processadas análises que consumiam 360 mil horas de trabalho de advogados por ano. O banco também afirma que o índice de erros é menor que o apresentado pelo trabalho humano.
Quanto aos escritórios de advocacia, existe a Ross (rossintelligence.com) que é uma empresa que desenvolveu advogados “robôs” que já atuam em alguns escritórios de advocacia nos Estados Unidos, sendo que parte de uma tecnologia similar também existe no Brasil. O advogado “robô” da Ross é capaz de compreender a linguagem natural das pessoas em questões jurídicas e responder instantaneamente de modo fundamentado.
A inteligência artificial, portanto, é uma realidade que já está afetando a sociedade e a área jurídica para a qual são formados os estudantes de Direito, sendo propugnada a ideia de que os computadores substituirão os seres humanos nas atividades profissionais e reduzirão as oportunidades de emprego.
Certamente mudanças importantes ocorrerão, todavia isso não é uma novidade. A evolução tecnológica vem ao longo dos tempos fazendo com que determinadas profissões sejam extintas. Há menos de 30 anos, era comum existirem digitadores, operadores de telefonia, ascensoristas em elevadores e diversas outras categorias de profissionais que hoje praticamente não existem mais. Em escritórios de advocacia, existiam muitas datilógrafas e muitos datilógrafos, por exemplo.
Por outro lado, uma quantidade infindável de outras atividades surgiram ou transformaram-se. Para este horizonte deve o estudante de Direito direcionar sua atenção, ou seja, nas oportunidades que virão com a evolução.
Não deve haver espaço para o temor, uma vez que o ser humano tem sempre a capacidade de usar o binômio adapte-adote. Adaptar-se à nova realidade e adotar as novas ferramentas
de eventos e frentes destinadas a discutir o tema tem boas condições.
Assim, em vez de temer um futuro no qual os sistemas computadorizados com capacidade cognitiva acabem com as oportunidades de trabalho para o futuro profissional da área jurídica, o profissional deve se preparar para essa realidade, estar à frente dessa tendência e construir o futuro com oportunidades para si mesmo e também fazendo uso da tecnologia em prol da sociedade.
Fonte: Humberto Chiesi Filho, gerente jurídico sênior de contencioso, na empresa Mercado Livre.