O governo federal pretende promover em 2020 entre 40 e 44 licitações, tendo por objeto a concessão de portos, aeroportos, ferrovias e rodovias. Em paralelo, corre no Congresso projeto somando em uma única diferentes normas legais, a de licitações, ao lado à de concessões, entre elas. Em sua última versão conhecida, essa proposta, inédita em sua forma na literatura jurídica, somava 224 artigos. Um dos objetivos da alentada norma seria modernizar as regras e conferir maior competitividade aos certames.
Contudo, antes de serem consideradas atualizações, seria proveitoso o atual legislador analisar a origem das leis que hoje disciplinam esses institutos, a fim de comparar a realidade de ontem à de hoje, e ver o que há de permanente e o que se transformou no mundo dos fatos. E assim ver o legislador de hoje as soluções jurídicas dadas pelo legislador de ontem a questões concretas à sua frente, e desse cotejo beneficiar-se na elaboração de respostas às questões atuais.
Entre eles as leis a serem alteradas, está a de licitações, que deflagra o processo de concessão. A primeira lei de licitações data de 24 de maio de 1862: o Decreto Imperial 2.926 dispunha sobre “arrematações e execução dos serviços a cargo do Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Públicas”.
Esta seria a primeira norma relativa à licitação de obras públicas no Direito Brasileiro. A que provavelmente a sucedeu, impropriamente, foi o Código de Contabilidade da União, Lei nº 4.536, editada em 28 de janeiro de 1922, já avançada a República.
Nos termos do Decreto 2.926, o Executivo, desejando contratar obras e serviços ao particular, deveria anunciar esse propósito, convidar concorrentes por meio de anúncios e fixar o valor da arrematação, juntamente com o prazo de execução da arrematação do bem ou da prestação do serviço.
Eram então os licitantes chamados concorrentes, essa sendo a designação mais precisa, uma vez que competiam pelo mercado, em um certame conduzido pelo Poder Público.
Caberia aos concorrentes a apresentação de fiadores, responsáveis por sua eventual inadimplência, sendo permitida a prestação de caução quando não houvesse fiador, desde que feita em dinheiro. Além disso, no caso de contratações para fornecimento, seriam disponibilizadas amostras dos produtos e, no caso de obra, poderiam os interessados, a qualquer momento, analisar as plantas e orçamentos elaborados pelo Poder Público, que inclusive seriam por eles futuramente assinados com a celebração do contrato, caso fossem os selecionados.
Não era admitido aos arrematantes transferir, total ou parcialmente o contrato sem autorização do Poder Público. Nem reclamar atraso de pagamento de qualquer natureza, (vezo autoritário do Poder Público que iria perdurar) mas, em caso de rescisão ou suspensão das obras pela Administração, sem que houvesse culpa do arrematante, a ela caberia indenizar o contratado.
O artigo 18 do Decreto Imperial já previa a necessidade de reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato em casos de alterações ditadas pelo Poder Público, com a possibilidade de rescisão no contrato se as alterações por ele impostas excedessem 20% do valor do contrato, uma bem formulada cláusula de preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, também presente na Lei 8666/93.
A rescisão por oneração excessiva do valor do contrato, obra ou serviço, seria possível quando superior a 20% do valor do contrato, 25%, segundo a regra atual, do valor previamente estabelecido, mesmo que haja uma tentativa de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.
Vigente o Decreto Imperial, foram realizadas arrematações, firmados contratos concessão de obra e de prestação de serviços que permitiram a construção de grande parte da malha ferroviária brasileira, setor vital à economia da época.
Embora sejam necessárias atualizações normativas que atendam e enformem em regras claras uma demanda sempre renovada por serviços públicos, é indispensável ao legislador bem conhecer as razões de fato à base da elaboração de determinadas regras pretéritas, as quais em seu tempo deram soluções jurídicas eficazes a situações ainda hoje presentes.
Afinal, ontem como hoje, necessita o Poder Público licitar para contratar, mediante concessão, obras e serviços a agente privado, e o meio de os selecionar é, em essência, o mesmo.
A evolução normativa não se dá por avulsão, pela inovação brusca, em especial pela cópia de formas jurídicas alheias; é um processo aluvional, de incorporação segura da experiência nativa, sob consulta à literatura jurídica precedente, para aperfeiçoá-la. E, se possível, guardar a redação das normas uma “severa simplicidade”, como recomendava San Tiago Dantas.
Fonte: Jota/Pedro Dutra