A inteligência artificial tende a promover e acelerar a transformação dos serviços públicos, através do aumento da sua qualidade e personalização, assim como a criação de novos serviços – imperativo tão atual com a entrada numa era tão diferente de há poucos meses.
A inteligência artificial tem desde o verão de 2019 um documento de referência que a põe no caminho do sucesso de Portugal e da Europa, a Estratégia Nacional para a Inteligência Artificial – AI Portugal 2030. Este importante documento que, entretanto, já tem vários projetos a materializá-lo trata de uma temática que ganha nova dinâmica e destaque ao fazer parte dos catalisadores do programa Portugal Digital, a fórmula para se acelerar a transição digital em Portugal.
Em todas as crises é necessário encontrar caminhos alternativos, muitos deles passam economias alternativas ou por setores de aposta. Mas a atual crise é diferente na medida em que afeta a economia global e, apesar de o fazer com pesos diferentes, afeta também todos os setores. Qualquer que seja o caminho alternativo para a recuperação económica mundial, dele fará parte o digital, onde a Inteligência Artificial (IA) tem um papel fundamental em todos os setores, incluindo o setor público.
Num estudo recente divulgado pela Microsoft, feito em parceria com a EY, em que se analisou o papel e o impacto da IA no setor público na Europa, pode perceber-se a importância da mesma para a modernização administrativa dos países europeus. No caso mais específico de Portugal, pode constatar-se pelas respostas das 23 entidades nacionais que participaram neste estudo, que no país existem as competências necessárias, mas ainda faltam a dimensão e a estrutura que permitam atingir benefícios tangíveis e impactantes.
De acordo com este estudo e com os inquiridos, Portugal está muito em linha com a realidade europeia e, embora haja uma percepção de que as suas competências estão ligeiramente acima da média europeia, o nível de estruturação do trabalho com a IA, assim como as iniciativas concretas e sustentáveis, encontram-se ligeiramente abaixo da média europeia. É de prever que, com um espaço orientado para o digital, se venham a reunir as condições para o uso estruturado e sustentável da IA nas organizações portuguesas, incluindo as da esfera da administração pública.
Um dos passos para tal acontecer é desmistificar a ideia de que a IA vem substituir o gênio humano e o seu livre-arbítrio num contexto democrático. Pelo contrário. Numa altura de crise e de desequilíbrios sociais, o papel humano do Estado tem de ser aplicado de forma cabal e isso pode ser conseguido através da IA, que permite promover a otimização de processos com aumento de produtividade e eficiência dos fluxos de atividades e consequente melhoria do serviço ao cidadão, assim como a maior disponibilidade para os serviços que requerem o contato humano.
Adicionalmente, a IA tende a promover e acelerar a transformação dos serviços públicos, através do aumento da sua qualidade e personalização, assim como a criação de novos serviços – imperativo tão atual com a entrada numa era tão diferente de há poucos meses. Mas, sobretudo, a IA pode causar maior impacto ao dar mais força e condições aos funcionários públicos para produzirem melhores resultados com um esforço mais objetivo, por exemplo através de um maior apoio à tomada de decisão, que por vezes apenas precisa de capacidade de análise mais rápida e inteligente à quantidade tremenda de dados resultantes da atividade da administração pública, salvaguardando a sagrada privacidade de dados. Finalmente permite, também, um maior envolvimento do universo cívico através da melhoria da experiência do cidadão e empresas, organizações e todos os que fazem parte da complexa cadeia de valor do Estado.
Existem enormes oportunidades para os governos tirarem partido desta incrível nova tecnologia. Estima-se inclusive que a IA poderá aumentar a produtividade média e ter contributos diretos no PIB, mas não precisamos de ir tão longe e existem situações bem concretas e práticas em que podemos identificar claros benefícios da IA no setor público.
Por exemplo, no que concerne à saúde pública, disponibilizar informação mais rigorosa, previsões que podem levar a melhores resultados como diagnósticos médicos mais precisos e a uma melhor qualidade de vida com uma potencial poupança nas terapias e tratamentos. Na área social, pode produzir um impacto positivo ao contribuir para a resolução de questões sociais como o desemprego e a pobreza, ou ainda mais longe, na sustentabilidade da Segurança Social. No núcleo da administração pública, a IA pode contribuir para a já referida melhoria do serviço público através da sua adaptação a circunstâncias pessoais, promovendo a proximidade com o cidadão. E, ao nível do planeamento e finanças públicas, através de uma mais sustentada escolha de políticas públicas, através de simulações complexas e análises de vários cenários alternativos.
Estes são alguns exemplos bem concretos de uma inteligência artificial que tem tudo para melhorar o nível de vida do cidadão real.
Fonte: Jornal de Negócios – Portugal / Miguel Amado