Comportamento que já foi visto como qualidade importante para um profissional bem-sucedido pode esconder, na verdade, um comportamento ansioso e até paralisante, como explica especialista, e está fora da realidade de um mundo impactado pela Covid-19
Pouco a pouco, o novo mundo desenhado pelas mudanças abruptas e impensáveis causadas pela pandemia de Covid-19 vai dando as caras em mais áreas de nossa vida. Uma delas é a profissional, certamente. A maneira como nos relacionamos com o trabalho tem se transformado profundamente, desde fisicamente (alô, trabalho remoto? alô Smart Working?), até mais subjetivamente, com alterações no conceito das qualidades que um “bom profissional” precisa ter.
Sabe aquela dita qualidade chamada perfeccionismo, que muita gente coloca no currículo como sinônimo de excelência ou que fala para seu interlocutor na entrevista de emprego? Pois ela já não faz mais sentido agora: “Em momentos incertos, de pressão ou de grandes mudanças nós não precisamos de respostas perfeitas. O importante é ter soluções adaptáveis, boas o suficiente para o momento em questão e bem contextualizadas”, explica Desirée Cassado, psicóloga e professora, especializada em tratar temas como autocuidado, diplomacia, foco e vulnerabilidade.
Para Desirée, o mito do perfeccionismo – cujo outro lado da moeda é a baixíssima tolerância ao erro – está bastante ligada à ansiedade de cada um de nós. Ambientes de trabalho que também prezam por esse tipo de profissional tendem a ser menos criativos, porque a pressão por acertar sempre gera quase uma paralisação. É hora de desconstruir o mito do perfeccionismo e trazer mais realidade para as relações de trabalho. Acompanhe o que diz a especialista:
Por muito tempo, dizer em um currículo ou em uma entrevista de emprego que se era “perfeccionista” foi visto como uma boa qualidade. De uns tempos para cá, porém, começou-se a entender que não é bem assim, e que essa busca incessante pela perfeição pode ser, na verdade, negativo tanto na vida pessoal como na profissional.
As pessoas reconhecidas como perfeccionistas são aquelas que pretendem ou precisam alcançar um nível de entrega que seja absolutamente livre de erros, de acordo com as mais altas expectativas da própria pessoa e do que ela imagina que os outros esperam dela. Então, hoje, quando ouço alguém dizer que tem o perfeccionismo com uma qualidade, minha tendência é ficar atenta para entender se essa característica impulsiona ou paralisa a pessoa em suas próprias expectativas e na ansiedade que essa expectativa gera, afirma a especialista Desirée Cassado
As crises tanto sanitária quanto econômica geradas pela pandemia de Covid-19 acabaram acelerando algumas mudanças sociais, ou ao menos mostrando que certos comportamentos não são mais tolerados. Em momentos incertos, de pressão ou de grandes mudanças nós não precisamos de respostas perfeitas. O importante é ter soluções adaptáveis, boas o suficiente para o momento em questão e bem contextualizadas. Em situações como essas, o perfeccionista tende a ficar apegado ao conceito do que é bom e certo, perdendo a referência do que é necessário. Dentro do atual cenário que estamos vivendo, por exemplo, com pandemia e coronavírus, fica difícil ter soluções perfeitas porque tudo é novo para todo mundo.
Estamos tomando decisões que nunca tomamos na nossa vida. Então, com certeza, essas decisões não serão perfeitas. O indivíduo que estiver tremendamente apegado ao ideal de se mostrar perfeito para o outro vai ficar paralisado.
Como fazer para que o profissional transforme sua maneira de pensar – saindo de uma constante busca por ser “perfeito” para se dar chance ao erro ou a ao menos aprender a errar?
É muito difícil mudar uma forma de pensar. Acredito que o mais eficaz é aprender a mudar a forma como a gente se relaciona com os nossos pensamentos. Por exemplo, uma pessoa que, há anos, vive com uma crítica interna muito grande pode aprender a ouvir esses pensamentos com certo distanciamento. Assim, poderá tomar melhores decisões, diferentes daquelas que servem para aliviar a ansiedade. Para a gente aprender a errar sem se criticar tanto, precisamos nos expor tentando.
Quando nos expomos e acolhemos a nossa vulnerabilidade, nos tornamos capazes de tentar e seguir, mesmo quando algo dá errado. Quando a gente faz as pazes com a possibilidade de errar, a gente se arrisca e executa mais.
Como melhorar e lidar com erros
A nossa mente nunca vai estar satisfeita ou à vontade com os nossos erros. Ela evoluiu em um contexto no qual o papel do nosso sistema cognitivo era de nos proteger de qualquer risco do futuro. Na pré-história, isso significava nos proteger de qualquer risco físico, como acidentes, ataques de animais ou brigas. Hoje, os riscos incluem ser rejeitado pelo outro, falhar no trabalho, ser demitido, fracassar na carreira ou não ser aceito pela aparência. Assim, é possível que a nossa mente fique o tempo todo nos lembrando do que pode dar errado. Isso é natural, pois a mente foi feita para isso. Quando entendemos que esse é o jeito que o cérebro trabalha, fica mais fácil encontrar meios para deixar essas críticas um pouco de lado para conseguir fazer o que precisa ser feito. Em resumo, para lidarmos com os nossos erros e as nossas frustrações, é preciso olhar para os nossos pensamentos com um pouco de desconfiança.
Em geral, companhias muito rígidas e que punem os erros de maneira severa tendem a ter profissionais paralisados que não conseguem ser criativos, assumir o protagonismo das decisões, vestir a camisa da companhia. A criatividade só acontece em ambientes seguros para o erro. Então, é possível que as organizações com cultura perfeccionista estejam utilizando uma péssima ferramenta para tentar fazer com que os seus profissionais atinjam a sua melhor versão. Onde não há espaço para errar, não existe motivação para arriscar.
“Em um momento como este em que estamos vivendo, a tendência é que as empresas comecem a valorizar características diferentes. É o caso da adaptabilidade e da resiliência”
A tendência é que as empresas comecem a valorizar características diferentes, se comparado ao período antes da pandemia. É o caso da adaptabilidade. O profissional que consegue se adaptar a questões absolutamente impossíveis de serem previstas são também capazes de entregar os melhores resultados. A resiliência também é muito importante.
Eu destaco, além da adaptabilidade e da resiliência, a auto-compaixão para que as pessoas consigam errar, se arriscar e seguir, mesmo após uma falha. Assim seguiremos construindo novas possibilidades e aprendendo que a vida profissional e pessoal, é um contínuo de erros e acertos.
Fonte: Consumidor Moderno