POR RENATO FENILI – SECRETÁRIO ADJUNTO DE GESTÃO DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA
EXCLUSIVAMENTE PARA O IN CLUB
São 22h57 de quarta-feira, dia 25 de março. Parei um pouco para ter certeza do exato dia da semana, já que todos parecem um pouco iguais, desde passado muito recente. Comecei a trabalhar às 06h, e devo ainda render por mais algum tempo, após escrever este texto.
Há mais de uma semana, dedico-me integralmente, conduzindo e colaborando com brilhante equipe, à mitigação dos efeitos do Covid-19, em duas frentes principais: (i) a minimização de barreiras para a disponibilização de insumos de saúde às unidades públicas e (ii) o fomento da atividade econômica, regendo diretrizes de contratações públicas e de transferências voluntárias da União. E, se muito há o que fazer em ambas as frentes, fato é que estamos progredindo com segurança e concatenação de ações.
O estágio de letargia em face à crise, ouso dizer, jamais existiu. Digo isso não como estratégia de marketing corporativo – algo descabido em uma conjuntura que impinge menos egos e mais visão acurada. Digo isso como alguém que tem a oportunidade de estar à frente de pessoas que estão acostumadas a trabalhar sob pressão, diariamente. Por óbvio, não somos máquinas. Somos humanos e jamais imunes a conjunturas excepcionais. Somos frágeis em alguns instantes. Apreensivos, em outros. Mas, sempre, esperançosos e resilientes. E não nos paralisamos, em nenhum instante.
Em cerca de 7 dias, na frente de disponibilização dos insumos de saúde, pudemos contribuir com a redação da Medida Provisória nº 926, que alterou a Lei nº 13.979/20, elastecendo o ferramental do gestor público na aquisição de bens e contratação de serviços destinados ao combate do vírus. Publicamos edital de chamamento público, para fins de captação doação desses insumos. E ingressamos em dispensa emergencial, que culminará na oferta, pelo Almoxarifado Virtual, de sabonete líquido, álcool gel, máscaras e termômetros à Administração Pública.
No mesmo período, aprovou-se alteração de decreto, de nossa tutela, que garante a exequibilidade de direitos de preferência, em licitações, a cooperativas. Cerca de 7.500 cooperativas no Brasil, quase meio milhão de empregos, R$ 7 bilhões pagos em impostos em 2018 e uma taxa de crescimento de empregos 50 vezes maior que o restante da economia entre 2014 e 2018. Colocou-se em consulta pública norma que abrirá uma espécie de linha de crédito a empresas contratadas pela Administração, com base em recebíveis de contrato (veja aqui), cujo impacto, espera-se, será significativo.
Criamos uma central de ferramentas e de modelos de logística pública no combate ao Covid-19, disponível para acesso aqui, que será atualizada diariamente. E, o mais importante, uma das raras dádivas oferecidas pelas crises: a comunidade de compradores públicos se uniu e, colaborativamente, tem produzido e divulgado ferramentas e manuais para as compras emergenciais. A mim, o altruísmo vem a semear os bons frutos, sempre. Obrigado a vocês, do grupo “Colaboradores ENAP” – não me eximo de registrar.
Diversas são as iniciativas em curso, ainda em análise e sujeitas a adaptações, e com resposta em curtíssimo prazo, passíveis de serem assim categorizadas (claramente em rol não exaustivo):
(I)Mitigação de ônus a empresas contratadas pelo governo: dispensa, parcelamento ou suspensão de cobrança de multas administrativas aplicadas em processos licitatórios;
(II) Maior poder negocial da Administração, segurança ao mercado e fluxo de capital: ampliação de limites de suprimento de fundos; pagamento antecipado (em situações específicas) etc.;
(III) Ampliação da aplicabilidade das licitações em sua forma eletrônica, tendo em vista a limitação do paradigma presencial, em face à contenção da pandemia;
(IV) Fomento a micro e pequenas empresas, em especial as sediadas localmente;
(V)Ampliação das hipóteses logísticas mediante sistema de registro de preços;
(VI)Ações específicas nos contratos de terceirização;
(VII)Maior atratividade de doações: regulamentação da doação com encargo, à Administração;
(VIII)Ações de fomento a startups e a negócios de impacto;
(IX)Flexibilização do paradigma de transferências voluntárias: dilatação de prazos diversos, parcelamento de débitos, reconsideração de cláusulas suspensivas, postergação do momento de se prestar contrapartida etc.;
(X)Abertura a novos modelos de fluxo negocial: marketplaces próprios da Administração ou credenciados pelo governo (nesse último caso, o credenciamento é justificado em face de exigência de requisitos específicos de transparência).
Por fim, registro: as medidas acima conversam entre si. Compõem modelo que já se encontrava em curso, mas que ora está sendo catalisado. A inovação, antes exigência em face da maximização da relação de agência, hoje é necessária para salvar vidas, e para evitar o caos no mercado. Estamos percorrendo facetas para que a logística pública possa atender ao enfrentamento de situações que as formalidades usuais-legais não socorrem.
Sábio é o jargão muito dito na Marinha, instituição da qual muito me orgulho de ter me formado oficial: carvão sob pressão vira diamante. Sim, sairemos diamante disso. E mais fortes como uma comunidade de compradores públicos que dialoga entre si. E que dialoga com o mercado.