O mercado brasileiro compras públicas é bastante complexo, tanto do ponto de vista estratégico, como operacional. Um exemplo claro desta complexidade está na construção civil, no amplo segmento de obras públicas, que se espalham de norte a sul do país.
Na nossa “velha e desgastada constituição de 1988”, o artigo 37 informa que administração pública deve ser norteada pelos princípios fundamentais e indiscutíveis da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O mesmo artigo diz que, salvo exceções, obras, serviços e compras públicas devem ser feitos por meio de licitações.
Aprovada em 1993, a Lei 8.666 regulamenta o que diz a Constituição e dita normas para os processos licitatórios. Uma licitação deve assegurar a idoneidade, a isonomia e a competitividade para que a compra seja feita da forma mais vantajosa para a administração pública e para o bolso do contribuinte, não importa de estamos falando da compra de medicamentos, alimentos, veículos ou da construção civil, de obras públicas, como moradias populares, rodovias, portos, usinas hidroelétricas ou até mesmo os famigerados estádios e instalações olímpicas.
Agora vamos dar um giro pelo mundo, começando pelos EUA e conhecer como se dá o processo licitatório destas grandes obras públicas por lá.
Considerando o perfil objetivo, competitivo e empreendedor que domina a cultura americana, as licitações de grandes obras públicas nos EUA são voltadas para dar agilidade, mas também a máxima transparência ao uso do dinheiro público, respeito à legislação e ética, garantindo através de alguns mecanismos interessantes com destaque para a performance bond e a value engineering.
Performance Bond
Nos Estados Unidos, as construtoras têm entre outras obrigações, que apresentar um seguro que cobre 100% o valor do contrato e garante ao contratante a conclusão da obra, é o que o mercado denomina como, performance bond.
A performance bond é um tipo de seguro-garantia, gerido pela própria seguradora que irá fiscalizar a obra como um todo, garantindo que a construtora trabalhe dentro de normas e regras pré-definidas, inclusive quanto às boas práticas durante a execução do projeto, qualidade dos materiais e serviços especificados, além de garantir o cumprimento dos prazos e entrega das obras dentro do calendário pré-acordado. Caso a construtora seja considerada incapaz, não idônea ou até mesmo falir durante o processo de construção da obra pública, caberá a seguradora concluir o projeto. Portanto, é interesse da seguradora que tudo ocorra dentro do previsto para que não seja necessário ressarcir os cofres públicos americanos.
Tendo em vista esta realidade, as seguradoras são extremamente rigorosas ao conferir a performance bond para uma construtora. Assim todo o histórico financeiro e contábil da construtora é analisado criteriosamente, bem como clientes são consultados para averiguar a sua performance e obras já concluídas são inspecionadas. Desta forma as seguradoras minimizam os riscos envolvidos e certificam a construtora, garantindo a qualidade da obra e a sua entrega.
No Brasil, a Lei 8.666/93 faculta que os órgãos públicos cobrem, além dos atestados de acervo técnico, 5% do valor da obra como garantia do contrato e não 100%, como é o caso americano! E mais, esta garantia pode ser paga através de uma caução (dinheiro ou títulos da dívida pública) ou performance bond (seguro-garantia). No entanto, é a construtora ganhadora da licitação quem escolhe a modalidade de pagamento e não o órgão público licitante. Adivinhe qual a modalidade preferida? Caução e não performance bond, obviamente.
Outro dado interessante do mercado americano de licitações de obras públicas, a seguradora durante todo o processo de gestão e construção da obra se reportará à administração pública, proporcionando total transparência e agilidade ao negócio, como um todo. É uma genuína “relação ganha-ganha”, afinal toda a cadeia de fornecedores e clientes, incluindo o contribuinte se beneficia com este mecanismo.
Value Engineering ou Engenharia de Valor
Metodologia criada, na época da 2ª Guerra Mundial, pelo engenheiro Lawrence Mills, que trabalhava na GE nesta ocasião e tinha por objetivo maximizar os processos produtivos da empresa, reduzindo custo e otimizando os recursos, escassos devido à guerra.
Responsável pela área de compras de matérias primas, Lawrence criou o conceito de value engineering, através da identificação e solução de problemas e posterior eliminação de custos desnecessários, aprimorando assim a qualidade, funcionalidade e rentabilidade dos projetos nos quais estava envolvido e aplicou sua metodologia.
O objetivo fundamental da engenharia de valor é aumentar o valor dos produtos, através da melhor performance e o menor custo possível. Parece óbvio e fácil, mas nem sempre este conceito é aplicado no mercado público brasileiro.
No mercado americano de obras públicas, a metodologia de Value Engineering é amplamente difundida e aplicada: quando a construtora propõe uma revisão no projeto para reduzir os custos da obra, os ganhos serão partilhados entre o órgão público contratante e a contratada.
A engenharia de valor estimula as melhores práticas de negócio: proporcionando soluções mais criativas, funcionais e eficazes, que beneficiam o mercado como um todo e fortalecem as parcerias público-privadas. Mais uma vez todos saem ganhando: o fornecedor, o governo e o contribuinte.
São exemplos de metodologias como estas (performance bond e value engineering) que fazem realmente a diferença e podem expandir o leque de oportunidades para o mercado de compras públicas, não só na área de construção civil, mas em outros inúmeros segmentos de mercado.
No próximo In Foco continuaremos nosso Giro pelo Mundo das Licitações, focalizando o sistema compras públicas do Chile, reconhecido como um dos mais bem sucedidos da América Latina.