Conheça o caminho da transformação cultural na era digital.
Diante de tantas objeções ainda presentes, algo que parecia distante de ocorrer tendo em vista a avalanche de informações que diariamente chegam até nós, fico perplexo pela constatação de que a prática ainda está longe do discurso.
Sem questionar a origem, convicção ou modismo, o discurso moderno daqueles com quem me relaciono no dia a dia parece empacar quando o assunto é obter resultados rápidos, evidências de que o caminho proposto será compensado.
Disrupção é o termo que inicia este artigo e a seguir vou utilizar conceitos tradicionais de administração para facilitar o entendimento e mostrar que falamos de algo que estamos acostumados a enfrentar.
No entanto, os dados estatísticos que temos à mão, fruto dos acertos e desacertos de iniciativas (ensaio vs. erro), nos impedem de enxergar de forma mais ampla os horizontes que temos pela frente. Eles inibem atos mais empreendedores que nos levariam às respostas que necessitamos para enfrentar essa realidade vuca em que vivemos hoje. Essa sigla é formada pelas palavras Volatility, Uncertainly, Complexity e Ambiguity (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade), que descrevem o estado geral do mundo atual.
A palavra disrupção vem do latim disruptio.onis, que significa “fratura, quebra”, ou ato de romper, de interromper o curso natural.
Mas romper o quê? A transição de realidades que enfrentamos hoje: do analógico, onde tudo era previsível, para o digital, realidade onde as estatísticas ainda não existem, mas começam a ser formadas.
Com a realidade digital veio a inovação disruptiva, fenômeno pelo qual uma inovação transforma um mercado ou setor existente pela introdução da simplicidade, otimização de tempo, comodidade, conveniência e acessibilidade para empresas onde a complicação e o alto custo são o status quo.
Refletindo a respeito disso, minha perplexidade deveria cair por terra, mas a educação e valores de um babyboomer como eu me viciaram de tal forma que às vezes tenho de fazer um exercício descomunal de resiliência para manter o equilíbrio. Pois bem. Após uma respiração profunda e agora mais equilibrado, percebo que esse tipo de atitude, cuja prática está longe do discurso, é até certo ponto natural.
Assim como a maioria dos executivos ativos no mercado, fui educado com referências de um mundo cuja perspectiva de conhecimento e informação era extremamente limitada se comparada ao que dispomos hoje.
Corremos para nos manter atualizados e, mesmo assim, nos falta base para entendermos certas evidências que antes nos pareciam exercício de futurologia. Nosso mindset foi moldado para ser linear e, em forte contraste, hoje vivemos em um mundo global e exponencial. Portanto, nossa capacidade de percepção não permite que o nosso cérebro processe nessa escala ou velocidade. Nosso mindset linear não consegue captar a progressão exponencial.
Por quê? Porque o mindset linear resulta em adicionar, repetidamente, uma constante diante das ações que adotamos com consequência das decisões que tomamos. Toda ação gera uma reação. Ao contrário, o crescimento exponencial é a multiplicação repetida dela. Toda ação gera múltiplas reações. Isso significa que muitas vezes não entendemos as tendências exponenciais em seus estágios iniciais porque o ritmo em que começa o crescimento exponencial é enganoso – ele nasce lento e estável e é difícil diferenciá-lo do crescimento linear.
É aí que o bicho pega! A dicotomia existente em aceitar o digital como realidade, mas com o pé no analógico, se justifica. Para ilustrar o que disse até aqui, vou me utilizar do segmento automotivo, um dos que venho me ocupando ultimamente. Ele enfrenta uma batalha entre o analógico e o digital na comercialização de veículos há alguns bons anos.
Falo dos leads que vêm substituindo cada vez mais os clientes nos showrooms das concessionárias. Todas as marcas com presença no País estão voltadas a dar atenção a isso, mas em diferentes proporções, desde as mais acanhadas até aquelas que dispensam maior atenção.
Com presença no Brasil desde o início do século 20, o segmento automotivo sempre despontou como termômetro da economia e exemplo de vanguarda tecnológica. Dada a sua importância no cenário econômico global e acreditando que Gestão & Controle geram Informação, o setor sempre esteve convicto de que suas iniciativas dariam o tom para aquilo que o mercado necessita.
Numa corrida desenfreada pela estrada da competitividade e da rentabilidade, resultados rápidos são bem-vindos, pois demonstram competência e vanguarda e asseguram um bom lugar no pódio. Foram anos acostumados a esse modelo de gestão que obedece ao princípio do Iceberg Organizacional, que apresenta um divisor de águas entre dois fatores intrínsecos de qualquer negócio: Estratégia & Cultura.
As iniciativas estão quase sempre voltadas para aquilo que se pode enxergar, ou seja, soluções amparadas pela estratégia do negócio e que asseguram resultados rápidos e mensuráveis. Com a cultura não há a mesma atenção.
Pesquisas demonstram que muitos dos executivos se orientam para a estratégia do negócio buscando atingir os resultados-chave a que estão sujeitos, mas acreditam que a cultura impacta muito mais do que a estratégia para que os resultados-chave sejam alcançados. (Source: Partners In Leadership Workplace Accountability Study, 2014)
Como assim? Fazem uma coisa, mas acreditam em outra? Isso mesmo! O problema é que o seu mindset não está preparado para lidar com as questões culturais, pois os resultados, embora sustentáveis quando atingidos, são muito demorados para se chegar lá. E assim se orientam para aquilo que estão habituados a fazer e, se algo sair errado, restará ainda um álibi à disposição: “As estatísticas e séries históricas utilizadas para amparar a decisão estavam erradas.”
E assim, as coisas vêm acontecendo no mundo digital. Verdadeiras fortunas em mídia digital e tecnologia são investidas anualmente pelas montadoras na certeza de que estão agindo certo para captarem clientes (leads), visando ao aumento da taxa de conversão em vendas no canal (o digital representou R$ 14,8 bilhões de investimento publicitário no Brasil em 2017, 25,4% a mais que em 2016).
Com todo esse investimento, a média nacional da taxa de conversão em vendas entre as montadoras/ marcas aqui instaladas não ultrapassa a um dígito. Em sã consciência, nenhuma pessoa que tenha interesse em investir seu dinheiro em algo olharia para esse quadro com a segurança de estar fazendo um bom negócio.
Daí a pergunta: “Por que isso acontece?” A resposta: “Imediatismo; resultados rápidos, pois as empresas cobram isso dos seus profissionais”. E os resultados estão aí.
Com esse hábito, o “status operandis” vem se mantendo. Eles acreditam na questão cultural, mas não estão acostumados a tratá-la como parte intrínseca do negócio.
Já dizia o sábio: “Quando uma companhia se propõe a alcançar patamares superiores de desempenho, ela irá se deparar com um ponto crítico. Se ela não consegue enxergar e se apropriar dele, seu declínio é iminente. Esse ponto crítico tem o nome de cultura. Para lidar com ela é preciso coragem”.
É aí que a disrupção se faz necessária. Neste mundo vuca que traz consigo a transição de eras, analógica para digital, é fundamental dar atenção à cultura que precisar ser construída. Novas crenças precisarão emergir no lugar das antigas. A partir delas, o sentido de resultados-chave toma outra proporção, estimulando os profissionais envolvidos a se orientarem para eles e não para as tarefas prescritas pelos cargos que ocupam.
A construção dessa nova cultura leva tempo e exigirá esforço para a sua consolidação. Seus alicerces são assim formados: resiliência para lidar com a volatilidade; flexibilidade para lidar com a incerteza; multidisciplinaridade para lidar com a complexidade e coragem para lidar com a ambiguidade.
Hoje, esse perfil ainda é para pioneiros e não colonos. Amanhã ele será o padrão comportamental. Portanto, como gestores responsáveis pela formação daqueles que virão a nos substituir um dia, devemos atentar para o tipo de experiências que estamos promovendo para que eles desenvolvam novas crenças em linha com o que enfrentarão num futuro breve.
E como promover a disrupção evitando o imediatismo? Resiliência é a competência básica. Se você não for resiliente, eu o aconselho não tentar. Você irá se impacientar, ficar nervoso e o seu estresse irá às alturas! A seguir você conhece sete etapas necessárias para superar esse período de transição.
1º passo: definir de forma clara e objetiva o resultado-chave a ser atingido, assim como suas métricas de avaliação. (Cultura Digital)
“Não há porto seguro quando não se sabe, claramente, para qual caminho seguir”. (Ideal) Embora simples e óbvia, essa frase retrata uma realidade. O comprometimento e a apropriação de uma causa somente ocorrerão se houver, pelo menos, um resultado-chave claramente definido com métricas de avaliação.
As métricas a serem utilizadas na cultura digital são diferentes daquelas da era analógica. Por exemplo: – cálculo da taxa de conversão sobre o volume total de leads gerados pelas campanhas publicitárias e encaminhados para as concessionárias; – plano de mídia no canal digital focado em quantidade e não qualidade; – medição do fluxo de loja pelo volume de presenças no showroom.
Na era analógica não tínhamos meios precisos que identificassem a efetividade dessas situações, faltava tecnologia. Hoje temos. Mas a maioria das montadoras ainda se prende à medição da taxa de conversão no canal digital tendo como base o volume total de leads gerados e encaminhados sem a devida qualificação da real aderência da pessoa impactada pelo marketing com o produto ou marca. Isso fica à mercê das concessionárias.
Hoje, diferentemente do período analógico, é a informação que gera Gestão & Controle. Se não soubermos lidar com a informação, não haverá como fazermos gestão e controle de nada! Daí a importância da tecnologia, mas não somente ela. Tecnologia não é informação. Mas a falta de tecnologia não gera a Informação.
2º passo: saiba exatamente como você ou a empresa age e valorize o aprendizado obtido com a cultura analógica, mas esteja aberto e receptivo ao novo.
Não há mudança que prescinda do passado! (Real) Num processo de mudança cultural é fundamental saber como estamos, o que aprendemos e o que nos falta. Esses elementos são essenciais para que se consolide uma estratégia clara e aderente aos objetivos.
Como na maioria das vezes, confundimos o como estamos com o como gostaríamos de estar, é fundamental que coragem e verdade estejam juntas para não corrermos o risco de dar desculpas e com isso nos acomodarmos no processo de mudança esperado.
3º passo: estar convicto de que a mudança envolverá o saber lidar com dois fatores essenciais sem os quais o vício do imediatismo se apresentará – Tempo & Esforço
As grandes mudanças não acontecem do dia para a noite. São resultantes de pequenos pontos de excelência. (Trajetória) Aqui o foco está nas ações prescritas no plano estratégico e que devem levar em consideração todos os recursos humanos, materiais, financeiros, KPIs etc. que o bom administrador está habituado em implantar e seguir. Embora o plano estratégico descreva o “modus operandi” da mudança, é importante saber que isso não é cultura. A formação da cultura digital se fará com os próximos passos.
4º passo: informação
Tudo o que você faz gera resultado? Imagine então se você não tiver informação! Ela é o primeiro passo de fato para a formação da nova cultura. Sua veiculação deve promover uma experiência ímpar aos envolvidos, veiculada de forma uniforme e, se possível ao mesmo tempo, rápida, concisa, impactante e motivadora.
Nela deve estar claramente demonstrado o resultado-chave do processo de transformação, suas variáveis, prazos, papéis e responsabilidades funcionais, o novo jeito de ser e fazer, assim como os benefícios em contrapartida. Isso exigirá um pouco de tempo e esforço. Mas, diante do que vem pela frente, é pouco. As pessoas não resistem às mudanças. Elas resistem em ser mudadas!
5º passo: atitudes
Você só faz aquilo que acredita! Um pouco mais de tempo e de esforço será exigido dos agentes da transformação (gestores) para poderem observar se as atitudes, crenças e valores originados a partir das informações prestadas estão aderentes ao plano estratégico da mudança cultural. Caso contrário, há de se prestar novas informações para que tais atitudes, crenças e valores se consolidem.
6º passo: comportamentos
Novo “modus operandi” tem início. Um pouco mais de tempo e de esforço será necessário para observar se o curso da curva da taxa de conversão (no caso das montadoras) começa a ser alterado favoravelmente. Caso contrário há de se observar as atitudes, crenças e valores gerados anteriormente para que o comportamento esperado aconteça. Existem casos em que se deve retomar a informação e dar início novamente ao processo de mudança cultural. Tanto nesta fase quanto na anterior, o papel dos agentes da transformação é fundamental.
7º passo: mudança
Como podemos observar, nesse processo de disrupção para uma nova cultura, o imediatismo não tem lugar. Os fatores Tempo & Esforço são os seus algozes. Gestores mais pragmáticos acham que pelo peso do cargo que possuem na estrutura organizacional podem acelerar esse processo, exigindo que a mudança ocorra da noite para o dia e desconsiderando os fatores Tempo vs. Esforço. Tenho algo a dizer: “O tempo e esforço que será despendido por eles será proporcional ao tempo e esforço que todos os envolvidos vão utilizar para provar-lhes que eles estão errados.”
Por atitudes imediatistas, muitos processos de mudança cultural fracassaram e seus desafios são postergados para as gerações futuras. Não permita que isso aconteça. Boa jornada.
Fonte: Automtive Business/Danton Velloso