Na teoria do caos, o efeito borboleta procura descrever como pequenas mudanças em uma dimensão podem reverberar intensamente em outro domínio. Tudo está conectado e, a partir dessa crença, vem sua linguagem principal: o bater das asas de uma borboleta pode causar um tornado no outro lado do mundo.
Se aplicarmos a mesma lógica ao momento presente, qual será o poder das transformações causadas pela pandemia de coronavírus? Um fenômeno mundial, que transformou a dinâmica de praticamente todos os países e que muitos especialistas descreveram como o principal evento desde a Segunda Guerra Mundial, vai muito além do simples bater das asas de uma borboleta, sem dúvida.
E é no mundo da tecnologia que essas tendências devem estar mais presentes. É verdade que eles devem aparecer com diferentes intensidades, atingindo proporções diferentes. Eles podem significar o desenvolvimento de novas tecnologias; adoção intensiva de aplicativos existentes; ou, ainda mais, o uso cada vez mais presente de certas soluções em nossa vida cotidiana.
Se é verdade que nem tudo será radicalmente transformado, também podemos dizer que nada será o mesmo de antes, especialmente em tecnologia aplicada ao governo.
Compartilhamos aqui 5 tendências
1. Revoluções em saúde: o papel das tecnologias em saúde e da telemedicina
Sem dúvida, a área da saúde é uma das principais áreas afetadas pela pandemia de coronavírus. Existem evidências disso, pois o momento exige estratégias que possam aumentar a capacidade, a velocidade e a qualidade da assistência, em um esforço para “achatar” a curva de poluição e também impedir o colapso do sistema de saúde.
Esse esforço inclui o desenvolvimento de tratamentos para os sintomas da doença, bem como a vacina tão necessária. Mas, além dos medicamentos, duas tendências principais se destacam: o uso da telemedicina e o trabalho das tecnologias em saúde.
A telemedicina é um tipo de serviço que permite consulta remota. Com a ajuda de uma câmera, de telefone celular ou computador: um paciente pode relatar seus sintomas, enquanto o profissional de saúde indica o melhor tratamento a ser adotado.
A prática ainda não havia sido regulamentada no Brasil, mas a pandemia de coronavírus e a necessidade de garantir atendimento, evitando o aglomerado de pessoas em hospitais ou escritórios, aceleraram o processo. Para tanto, a Lei 13.989 foi aprovada em 15 de abril, reconhecendo a possibilidade de assistência remota durante a pandemia e, em princípio, somente durante a pandemia.
A telemedicina foi oferecida com base no trabalho de Healthtechs, startups que trabalham com tecnologia da saúde. Além dessa modalidade, as startups oferecem várias outras soluções: monitoramento epidemiológico, assistência psicológica, gerenciamento de equipes médicas, assistência através de chatbot e cursos para gestores e profissionais de saúde.
Em outros países, soluções ainda mais disruptivas estão sendo desenvolvidas para o diagnóstico, tratamento e gerenciamento de políticas de saúde. Em Israel, por exemplo, as startups são os protagonistas desse esforço tecnológico. Uma empresa local de tecnologia “real-time” em soluções biomédicas desenvolveu testes rápidos para detecção de vírus, com resultados que podem demorar até 50 minutos. Da mesma forma, uma start up está trabalhando para desenvolver um teste de PCR (do inglês reverse-transcriptase polymerase chain reaction -considerado o padrão-ouro no diagnóstico da Covid-19, cuja confirmação é obtida através da detecção do RNA do SARS-CoV-2 na amostra analisada, preferencialmente obtida de raspado de nasofaringe), usando inteligência artificial. Outra empresa loca, por sua vez, contribuiu para o monitoramento dos sinais vitais dos pacientes através de uma vestível – um dispositivo semelhante a um relógio que rastreia a pressão arterial, pulso e temperatura.
A pandemia de coronavírus provou ser um laboratório real para novas tecnologias de saúde em larga escala. É importante que todos prestemos atenção à implementação dessas soluções e que possamos melhorar as iniciativas, principalmente considerando a necessidade de garantir a segurança dos usuários e a eficácia dos tratamentos.
2. Robôs e inteligência artificial: tecnologias emergentes não serão mais o futuro
Há muito tempo vimos como robôs deixaram o universo dos filmes de ficção para estar presente no dia a dia das pessoas. Alguns deles são mais comuns e quase imperceptíveis, como chatbots, robôs usados para comunicação em sites ou aplicações dos mais diversos serviços, de bancos a serviços públicos. Com a epidemia de coronavírus, esse processo se intensificou: os robôs e a inteligência artificial que lhes permite funcionar estão trabalhando na linha de frente, especialmente nos serviços de saúde.
No Brasil, a tecnologia está cada vez mais presente. No Hospital das Clínicas, em São Paulo, robôs de telepresença foram utilizados para avaliar os pacientes. O objetivo é expandir a capacidade de atendimento e reduzir o risco de contaminação por profissionais de saúde.
O Ministério da Saúde também usou a tecnologia de bot alinhada à inteligência artificial para procurar ativamente casos de coronavírus. Desde o início de abril, fotos do telefone que permitem avaliar sintomas e também compartilhar informações para prevenção. Espera-se que as tomadas pelo número 136 atinjam mais de 120 milhões de brasileiros, gerando um grande volume de dados – e inteligência – para apoiar ações de saúde.
Em São Paulo, a inteligência artificial também foi aplicada. O governo do estado firmou parceria com empresas de telefonia móvel e, em conjunto com o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), acompanha em tempo real o movimento da população de São Paulo. Uma iniciativa semelhante foi desenvolvida por startup paulistana, que criou o “Mapa Brasileiro de Covid-19”, um indicador que permite monitorar a eficácia das medidas em andamento de isolamento social.
Os robôs e a inteligência artificial têm sido cada vez mais utilizados e são vistos como aliados importantes na luta contra o coronavírus, para fornecer previsibilidade, facilidade de manutenção e segurança para todos.
3. Nova era da informação? A pandemia pode ajudar a reduzir o fenômeno de notícias falsas
Esta é a primeira pandemia experimentada com a presença maciça de fontes de comunicação. Ou através de formas mais tradicionais, como transmissão de televisão ou jornais, ou com a ajuda de redes sociais. Temos acesso a uma quantidade imensa e diversificada de informações, ininterrupta, todos os dias.
Também estamos enfrentando a primeira pandemia na era de fake news – a troca deliberada de informações falsas, sem fundamento ou distorcidas. São notícias sobre curas milagrosas, teorias da conspiração ou conteúdo de ódio.
Em meio a esse fenômeno perverso, vimos, pelo menos aqui no Brasil, algumas notícias que nos incentivam. Pesquisas nacionais indicam que a população recorreu à mídia tradicional para obter informações confiáveis sobre a crise. Segundo pesquisa do Ibope, 88% consideram confiáveis as notícias apresentadas pela televisão aberta, enquanto sites e portais de notícias correspondem a 86%.
É muito cedo para dizer que veremos transformações disruptivas nesse campo, mas a semente já foi plantada. E o uso de tecnologias pode ser essencial para combater a disseminação de notícias falsas, ao mesmo tempo em que expande boas práticas de compartilhamento de informações transparentes entre diferentes grupos da sociedade. A crise que vivemos deixou sua mensagem: as pessoas querem confiar em fontes confiáveis e estas, por sua vez, precisam desenvolver novas maneiras de se comunicar e interagir com a população.
4. Transparência e privacidade: a proteção de dados pessoais será mais importante do que nunca
A pandemia de coronavírus reafirmou a importância dos dados. Sem eles, seria impossível controlar a doença, fazer projeções sobre o seu crescimento ou até elaborar estratégias eficazes para o isolamento social.
A centralidade e o poder dos dados também expõem a linha tênue entre seu uso efetivo e o risco de expor as informações das pessoas. Afinal, nunca é demais ressaltar: quando governos ao redor do mundo, incluindo o Brasil, implementam com sucesso sistemas de monitoramento, eles o fazem apenas graças a dados de pessoas reais que têm direito a seus próprios.
Mesmo antes da pandemia de coronavírus, a segurança dos dados era central nas agendas de transformação digital de vários países. No Brasil, a aplicação das sanções previstas na Lei Geral de Proteção de Dados, também conhecida como LGPD, foi adiado, devido à crise causada pelo coronavírus. Originalmente, entraria em vigor a partir do mesmo mês deste ano. A suspensão provisória deste importante instrumento legal coexiste com as crescentes iniciativas para monitorar o deslocamento de pessoas no contexto de isolamento social.
A segurança e a privacidade dos dados pessoais são de extrema importância. Os resultados de sua aplicação a ações bem-sucedidas de controle de coronavírus não podem ocultar ou minimizar o grau em que essas condições são um direito fundamental dos indivíduos. Portanto, garantir que as leis sejam seguidas, que as organizações adaptem suas práticas e que as condições para monitorar sua aplicação sejam garantidas devem ser ações urgentes e prioritárias.
5. Internet e computadores: porque não haverá transformação digital sem conexão
A crise demonstrou a importância de estar conectado. Aplicativos diversos c com funções de chamada de vídeo foram essenciais para manter contato com amigos e familiares durante o período de isolamento social. Mas também expõe o quão frágil é a nossa conectividade de internet.
Isso é especialmente verdadeiro se considerarmos o uso da Internet nos serviços de saúde, uma vez que a maioria das soluções desenvolvidas para enfrentar a crise depende não apenas do uso de computadores, telefones celulares ou tablets, mas também da conectividade da Internet, num país em que muitos municípios ainda tem uma infraestrutura tecnológica precária
Pesquisa realizada em instituições de saúde confirmam esse diagnóstico: em 2018, das 40.500 Unidades Básicas de Saúde (UBS) analisadas, 20% (mais de 8.000 estabelecimentos públicos) não tinham acesso a um computador ou à Internet. Além disso, apenas 12% das informações clínicas e de registro de pacientes são encontradas na mídia eletrônica, enquanto 35% permanecem apenas na mídia física, ou seja, registros médicos em papel com pouca possibilidade de analisar as informações, algo que é muito valioso quando falamos de políticas públicas de saúde Ao considerar informações sobre conectividade, o cenário é ainda pior: 44% das instituições de saúde pública têm velocidades de download de dados de até 10 mpbs; apenas 13% têm velocidades superiores a 10 e até 100 mpbs.
Garantir a conectividade com a Internet é uma condição prévia para a transformação digital no setor público. A pandemia de coronavírus demonstrou quão fundamental é esse elemento e como ainda precisamos avançar para estabelecer formas mais avançadas de conexão, por exemplo, a modalidade 5G. É preciso reconhecer que, sem a infraestrutura necessária, não poderemos aproveitar todo o potencial das soluções atuais, nem avançaremos para aplicativos mais robustos e disruptivos no setor público.
Muito trabalho ainda precisa ser feito
A pandemia de coronavírus trouxe impactos profundos, alertas, oportunidades de experimentação e, acima de tudo, tendências positivas para o mundo da tecnologia. Mas essas tendências são o que são: possibilidades que podem ou não ser cultivadas. Seu desenvolvimento dependerá, acima de tudo, de nossa capacidade de tirar proveito do cenário para implementar mudanças de longo prazo e duradouras.
Ele deve passar pela garantia da infraestrutura, pela criação e aplicação de leis que possam fornecer segurança para todos e também por nossa capacidade de registrar e avaliar o aprendizado. E, acima de tudo: dependerá de nossa capacidade de valorizar ações tecnológicas. Mas é necessário ir além. Temos que desenvolver ações constantemente, e não apenas durante eventos de emergência. Eles devem levar em conta as realidades nacionais e regionais. Incorporar o risco trazido pela inovação. A mudança está apenas começando e ainda temos um longo e trabalhoso caminho pela frente.
Fonte: Zedd Brasil/Paulo