Historicamente, cataclismos globais têm sido impulsionadores de transformações profundas na sociedade, economia, cultura e ciência. Assim, ainda que seja irresponsável dizer que há algo de positivo na atual pandemia do Covid-19, fica a pergunta: podemos combater os efeitos dessa crise para que, ao seu término, tenhamos uma indústria automotiva mais robusta?
O setor já começa a apresentar elementos de retomada da atividade, ainda que timidamente – fabricantes e montadoras retomaram parcialmente a produção, e o emplacamento de novos veículos começa a apresentar crescimento. Além disso, a safra recorde esperada para este ano deve impulsionar as vendas de máquinas e implementos agrícolas, bem como de caminhões.
Diante disso, fica o senso de urgência para pensar no que vem adiante para a indústria, uma mudança de marcha e aceleração dentro do contexto do batizado de novo normal. Mas quais seriam as prioridades para essa retomada no Brasil?
Sugiro aqui algumas reflexões para os principais agentes da cadeia de valor:
Fabricantes de veículos
Para além dos programas de corte de custos, três fatores-chave precisam ser cuidadosamente trabalhados para viabilizar a retomada:
- A saúde da rede de fornecedores de componentes e serviços precisa ser coordenada com os demais agentes para viabilizar a tendência de regionalização das cadeias produtivas, a “glocalização”;
- As novas demandas dos consumidores, que terão seu estilo de vida fortemente modificado, passando a buscar por mais segurança por causa da Covid-19 (filtros, tecidos), mas também com foco maior no custo. Rever a estratégia de volume versus margem será essencial para viabilizar essa mudança;
- O crescente papel do software nos veículos, desenvolvendo novos modelos de negócios baseados em ecossistemas e preparando-se para uma potencial competição dos gigantes de tecnologia;
- Considerar que o mercado de compras governamentais e licitações públicas pode ser uma fonte de sustentabilidade e crescimento para a indústria. O Governo brasileiro, nas esferas Federal, Estadual e Municipal , é historicamente um dos clientes mais representativos e constantes da indústria automotiva brasileira. No novo normal, a engrenagem das compras e licitações públicas deve voltar a se aquecer e os fabricantes devem considerar este importante mercado no seu “re-planejamento estratégico”.
Fornecedores de autopeças e sistemas
Com as fabricantes de veículos (OEMs) buscando mais do que nunca a estabilidade na cadeia de produção, será essencial buscar otimização para a qualidade e confiabilidade de entrega. Para tal, é preciso entender as fragilidades da sua cadeia de produção (Tier 2, 3) e investir na coordenação para garantir a capacidade produtiva necessária, seja através de parcerias ou mesmo verticalizando-se.
Concessionárias
Serão fortemente pressionadas pela desintermediação crescente entre montadoras e o consumidor final. Desenvolver canais confiáveis que sejam um híbrido de experiência física e digital, mudando de um modelo mais reativo, em que o cliente vai até a loja, para o acionamento da experiência do consumidor, será um diferencial importante.
Serviços
Empresas de logística e serviços devem incorporar a nova realidade à sua oferta de produtos e descobrir como agregar maior valor, incluindo, por exemplo, kits de higienização. Buscar novos mercados além do setor automóveis também é um caminho interessante.
Com os efeitos mais agudos da pandemia potencialmente começando a passar, as empresas devem usar a Covid-19 como catalisador e abordar várias questões importantes – e isso inclui uma decisão consciente sobre como incorporar maior adaptabilidade à transição.
Temos uma oportunidade única de reiniciar a cultura corporativa, redefinir o modelo de negócio, reconfigurar a estratégia operacional e redimensionar as organizações. Esses quatro elementos – reiniciar, redefinir, reconfigurar e redimensionar – podem ser um farol que ajuda a indústria a navegar pelos mares turbulentos e ainda enevoados da pandemia.
Fonte: Automotive Business / Marcus Ayres