Completados seis meses desde que foi sancionada, a Lei do Governo Digital acaba de entrar em vigor para os 5.570 municípios do país, mas a maioria ainda vive na idade do papel, numa espécie de apagão tecnológico e também de informações sobre o tema.
Não é difícil constatar as deficiências estruturais de prefeituras, principalmente as de cidades pequenas, para cumprir a nova legislação, que estabelece diretrizes para a transformação digital da gestão pública.
Esse passo pode aumentar a eficiência orçamentária, o acesso a serviços públicos e a transparência. No entanto, faltam informações precisas sobre o acesso das prefeituras a soluções tecnológicas.
Para preencher esta lacuna um mapeamento inédito começa a ser feito nesta segunda-feira pela Gove, uma govtech (como são chamadas as start-ups de soluções para a gestão pública) que já atuou em mais de 150 cidades desde 2016.
A pesquisa mais recente sobre digitalização nas cidades é de 2019, feita pelo Cetic, ligado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil, e o retrato não era animador. Mais de um quarto não tinha infraestrutura básica, como acessos locais a conexão com fibra óptica.
Apenas 21% das prefeituras tinham alguma estratégia de digitalização e 22% contavam com planos de segurança de dados. Só 16% usavam algum tipo de sistema de organização de dados para subsidiar a tomada de decisões orçamentárias.
Em 42% das prefeituras havia apenas departamento de Tecnologia da Informação (TI). Em 2015, eram 41%, um sinal de como o tema tem dificuldade de avançar, principalmente em cidades pequenas.
Para investigar com mais profundidade esse cenário, a Gove desenvolveu um questionário a partir de metodologias internacionais de avaliação, que será disponibilizado na internet a partir desta segunda-feira para que gestores das prefeituras informem dados sobre o seu grau de digitalização.
Como incentivo à participação, a plataforma do Diagnóstico de Transformação Digital Municipal gera, a partir das respostas, um relatório com uma avaliação do grau de maturidade digital da cidade em seis dimensões: capacidade institucional, dados, foco no usuário, pessoas e competências, infraestrutura e serviços digitais.
O relatório gerado a partir do questionário estabelecerá comparações entre a situação digital daquele município e a média de rupos de cidades, como as de mesmo tamanho no país ou vizinhas no mesmo estado. Além disso, haverá sugestões para um plano de ação da prefeitura participante.
O projeto foi lançado em 4 de outubro no evento on-line ‘Governos do Futuro 2021’, promovido pela Gove com gestores de diferentes cidades trocando experiências sobre transformação digital e eficiência fiscal.
Baixa capacidade de investimento
Enquanto empresas investem cada vez mais em análise de dados para aumentar sua produtividade, as prefeituras têm pouca capacidade de fazer isso, avalia Rodolfo Fiori, cofundador da Gove:
“Transformação digital é muito mais do que sair do papel e ir para o computador. Municípios são os que prestam os serviços públicos mais próximos dos cidadãos. Geram milhões de dados diariamente, só que eles estão presos em silos, em diversos sistemas aos quais muitas vezes os gestores não conseguem acessar ou não têm interfaces para consultar e transformar os dados em informação.”
Dinheiro não é principal barreira
Segundo Ramos, a baixa digitalização das cidades pequenas tem relação com dificuldades orçamentárias e estruturais, mas também com restrições burocráticas para investir em inovações.
“Algumas soluções vão ser caras, mas muita coisa hoje é acessível. As govtechs vêm para resolver ineficiências no setor público. Não acho que dinheiro seja a principal barreira.” — diz Ramos.
Fiori observa que a maior parte das pequenas cidades não pôde funcionar com servidores em home office durante a pandemia por falta de estrutura básica, como sistemas de teletrabalho e laptops.
Em relação às diretrizes de governo digital, que avança mais rápido na União e nos estados, ele vê um atraso muito grande nas cidades:
“Uma parte grande dos municípios não regulamentou ainda a Lei de Acesso à Informação (LAI) ou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A Lei de Governo Digital não está nem sendo discutida ainda nos municípios, muitos nem sabem. Depois de conhecerem, os municípios precisarão traçar um plano.”
Fonte: O Globo / Alexandre Rodrigues