Big data. Machine learning. Chatbots. Plataformas otimizadas de negociação com o mercado. Inteligência artificial. Blockchain. Sistemas de fiscalização contratual mediante inputs de controle social. Aplicativos para a participação em licitações públicas, disponíveis para operacionalização em celulares. Prestações de contas automatizadas. APIs de dados, possibilitando a interligação de serviços web, conectando sistemas que antes não se falavam.
Em certo aspecto, poder-se-ia discorrer, ao longo deste texto, nessa temática, dizendo que é um futuro que já chegou. Afinal, nos últimos dias, houve o disponibilização da Lia (Logística com Inteligência Artificial) como chatbot para WhatsApp, visando ao atendimento a usuários do Comprasnet – o principal sistema de compras governamentais do Brasil. Neste ano, foi lançado o Comprasnet Mobile, um aplicativo gratuito para a consulta de informações de compras públicas, via celular. Um novo Painel de Compras será lançado nos próximos meses, fazendo emergir nova concepção sobre dados de contratações públicas, em especial gerindo uma miríade de dados oriundos dos planos anuais de demandas dos órgãos e entidades federais. A Plataforma +Brasil (novo SICONV) tem se aprimorado em surpreendente velocidade, passando a abarcar outras modalidades de transferência que não apenas convênios e contratos de repasse. E o Comprasnet 4.0 vem aí, com o desafio de revolucionar as compras públicas do País, mesclando-se com o paradigma de um marketplace público.
Sim, um futuro que chegou. Mas não de forma homogênea a um Brasil de marcantes contradições internas, no qual convivem realidades díspares, com desigualdades pujantes que se avizinham, por vezes.
Levantamento inédito da Rede de Controle e Combate à Corrupção de Minas Gerais – Arcco – MG, divulgado recentemente, acende o holofote sobre realidade há tempos negligenciada: apenas 3% dos municípios de Minas Gerais utilizam pregão eletrônico para a contratação de bens e serviços na área pública. Ou seja, 825 cidades das 858 existentes naquele estado remanescem apegadas ao paradigma do certame presencial.
Com honrosas exceções, o percentual medido pela Arcco é reproduzido por lugares outros, muito embora inexistam dados precisos. Rio de Janeiro. Bahia. Com 5.568 cidades, cabe a assertiva de que o Brasil é, hoje, um país municipal – e, como tal, vivencia a realidade do modo analógico de se fazer compras públicas. Brevíssimo aparte: não se propugna, aqui, que o rito eletrônico é, per si, o remédio para todas as mazelas das licitações. Não é. O que se assenta é que a forma presencial impinge corolários ditos pouco republicanos. Vem acompanhada de sequelas ora sintetizadas no corpus de fragilização da transparência, das possibilidades de controle social, do potencial de competitividade e das iniciativas de centralização de contratações.
Nessa ótica, nossa inteligência em contratações públicas, degenerada por práticas já inexistentes em diversos países*, é em si “artificial”, mas aqui com a conotação de “postiço”, de “pseudo”. Mas nem tudo são espinhos.
Diário Oficial de Campos dos Goytacazes, município do norte fluminense, edição nº 467, publicado no último dia 4 de novembro. Entre seu conteúdo diversificado, um ato chama atenção: a Portaria nº 1.524/19, visando ao devido compliance com a Instrução Normativa nº 206/2019 da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, institui Comissão Especial de Implantação do Pregão Eletrônico, com o fito de implantar essa forma de licitação no “âmbito de todos os órgãos, entes e entidades da Administração Pública Municipal”.
Notícia de 08 de novembro, publicada no sítio oficial da Prefeitura de Tucumã, um município de cerca de 40 mil habitantes no leste do Pará, prenuncia que o pregão eletrônico deve ser, em breve, implantado naquela cidade, como decorrência da citada instrução normativa, um diploma editado para dar eficácia ao art. 52 do novo decreto federal do pregão eletrônico. Ah, e um competentíssimo Rodrigo Fontenelle, controlador-geral do Estado de Minas Gerais, aclara que a ideia é cobrar o uso generalizado do pregão eletrônico pelas prefeituras locais.
As iniciativas de Campos e de Tucumã são um prelúdio do que ocorrerá no Brasil, nos próximos meses. O comando insculpido no recente Decreto nº 10.024/19 exige que a contratação de bens e serviços comuns, pelos entes federativos, quando efetuadas mediante recursos de transferências voluntárias da União, seja dada mediante pregão eletrônico. O cronograma dessa exigência dá-se, justamente, pela IN nº 206/19, que espelha três ondas de ingresso dos munícipes nessa lógica, tendo por critério o número de habitantes: a última onda, para cidades com menos de 15 mil habitantes, será em junho de 2020. A medida alcança 95% dos municípios do País, beneficiários de convênios.
Por óbvio, a expectativa é que não haja uma simples mudança de chave automática quando do alcance das datas fixadas no aludido cronograma. Nem tudo soa tão cartesiano em solo pátrio, reconheçamos. Não obstante, a engrenagem começa a se mover. Entre 12 e 18 meses – eis um interregno plausível – o País ingressará, de forma dominante (e um pouco tardiamente), no modus operandi das contratações públicas eletrônicas. E vou além: o Comprasnet (4.0!) irá vivenciar crescimento exponencial, por franquear sua adesão aos demais entes federativos, sem ônus.
Retorne ao primeiro parágrafo, caro(a) leitor(a). E veja que a estrada para a aderência de seu conteúdo à pauta de contratações públicas, no Brasil, está sendo pavimentada. Às empresas mais atentas, o que se vislumbra é o prólogo de uma demanda governamental mais organizada, via sistemas de TIC, e com linguagem padronizada. E com inteligência artificial, agora sem a pecha do “pseudo”.
* O art. 52 da Diretiva 2014/24 da União Europeia, por exemplo, exige que a publicação de editais, o envio de documentos e de propostas sejam efetuadas, obrigatoriamente, por meios eletrônicos.