Imagine a complexidade de realizar uma biópsia de um tumor no cérebro, situação na qual qualquer desvio pode acarretar prejuízos importantes e até irreversíveis em funções como fala, coordenação motora e raciocínio lógico. Para melhorar a precisão desse procedimento, cirurgiões e pesquisadores do EUA se uniram e resolveram buscar na indústria um robô programável, a partir de exames de imagem e com boa destreza nos movimentos.
Os resultados da empreitada foram reportados no volume 35 da revista “IEEE Transactions on Biomedical Engineering”, veja só, no longínquo ano de 1988. Neste mesmo ano, outro robô foi usado para fazer uma cirurgia transuretral de próstata (na qual o órgão é acessado através da uretra). Em 1992 uma terceira máquina foi lançada para auxiliar o preparo da cavidade do fêmur em cirurgias ortopédicas.
Como vemos, os esforços para unir o melhor da engenharia à medicina não são nada novos, embora a cirurgia robótica ainda detenha uma certa aura futurista. O presente da modalidade, no entanto, é bem movimentado e real. Tão real que é um mercado de mais de US$ 7 bilhões e que cresce 17% ao ano.
Não é à toa que o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma resolução (2.311/2022) que regulamentou a cirurgia robótica no Brasil. Em resumo, a norma estabeleceu que, em um procedimento com a técnica, deve haver dois cirurgiões, um ao console comandando o robô e outro ao lado do paciente, além do restante da equipe, como anestesista e enfermeiros.
A regra também estabeleceu alguns critérios para a formação do cirurgião na modalidade e já embute conceitos de telecirurgia, ou seja, aquela na qual o cirurgião principal não precisa necessariamente estar a poucos passos do paciente. Com a chegada da famigerada tecnologia 5G, com baixíssima latência, não haveria grande diferença entre operar um equipamento in loco ou a milhares de quilômetros de distância.
Uma possibilidade ainda não debatida na norma, mas que já está na cabeça de quem pensa no futuro da modalidade é o mesmo equipamento ser operado por dois cirurgiões, um no local e um a distância. É a chamada telepresença. Os dois (ou três, ou quatro…) cirurgiões veem a mesma coisa, e um mais experiente pode assumir o procedimento numa intercorrência, dar orientações, propor uma nova rota, entre outras coisas.
Custo ainda é entrave
Mas será que toda essa modernidade que acompanha a cirurgia robótica compensa? Esse é hoje um dos grandes debates da área. O maior entrave é justamente o custo: apenas um robô pode sair por mais de US$ 2 milhões. Pesam ainda o preço dos insumos específicos (pinças, grampeadores etc.). Segundo um artigo da Nature, o custo de uma cirurgia oncológica de próstata na Austrália pode variar em mais de três vezes, e parte dessa diferença pode ser atribuída à robótica.
No quesito confiabilidade, já se sabe que a técnica é boa. Ela é no mínimo tão confiável quanto a videolaparoscopia convencional. A diferença é que, com o robô, os movimentos ganham em precisão, deixam de ser afetados por tremores, por exemplo, e melhoram em amplitude. É esperado que isso se traduza em menor sangramento, menor tempo de internação e redução da dor no pós-operatório. Isso sem falar no ganho de ergonomia para o cirurgião, que consegue manter a postura e o mesmo nível de foco e atenção por mais tempo.
Ambas as videolaparoscopias, convencional e robótica, são amplamente superiores às tradicionais cirurgias abertas, que implicam cicatrizes maiores e risco aumentado de infecção. A diferença entre a laparoscopia tradicional e a robótica, porém, em termos de desfecho, ainda é pouco nítida.
Por causa de uma relação custo-efetividade desfavorável — ou seja, maior dispêndio de recursos para o mesmo nível de resultado —, para alguns críticos ainda não é hora de mergulhar de cabeça na cirurgia robótica e torná-la ubíqua no sistema de saúde. Mas isso não é um consenso.
Concorrência deve influenciar custo-efetividade
Os primeiros equipamentos foram postos à prova no Brasil em 2008, em grandes organizações de saúde no Brasil, como Einstein e Sírio-Libanês. O objetivo aqui era estar pronto para o futuro quando ele acontecesse, explica Nam Jin Kim, head do programa de cirurgia e cirurgia robótica do Einstein.
“A técnica já está consolidada, mas é preciso demonstrar custo-efetividade em algumas especialidades. Apenas oferecer melhor destreza não necessariamente impacta no desfecho. Mas temos o mesmo desfecho com menor tempo de recuperação e maior conforto do cirurgião. A grande barreira ainda é o custo: se a cirurgia robótica tivesse o mesmo custo da laparoscopia convencional essa discussão nem existiria”, diz Nam Jin Kim.
“Quando houver mais plataformas e robôs concorrentes, as cirurgias ficarão mais acessíveis. Nossa preocupação é formar pessoas e fazer esses procedimentos cada vez com mais segurança, garantindo que tenhamos experiência em todas as plataformas, catalisando o processo de democratização”, afirma o cirurgião.
Cirurgia robótica em hospitais públicos
A aposta do Einstein ganhou uma nova dimensão recentemente, com a alocação de uma das plataformas robóticas em um dos hospitais públicos administrados pela organização, o Hospital Municipal Vila Santa Catarina – Dr. Gilson de Cássia Marques de Carvalho, na zona sul da capital paulista.
“Implementar a cirurgia robótica em um hospital público é algo para se comemorar. Estamos democratizando a excelência desse serviço e essa tecnologia, mais difundidos no setor privado. Houve um grande empenho dos nossos colaboradores e da Prefeitura de São Paulo para que o programa de cirurgia estivesse nesse nível, mas tenho certeza de que chegaremos muito mais longe”, afirma Sidney Klajner, cirurgião do aparelho digestivo e presidente da Sociedade Beneficente Israelita.
Um exemplo fora dos grandes centros urbanos – mutirão de cirurgias robóticas beneficia pacientes do SUS em Campos/RJ
O Hospital Geral Dr. Beda está realizando um mutirão de cirurgias robóticas, que irá beneficiar nove pacientes ao todo, sendo sete do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisam operar hérnia inguinal. Quatro cirurgias aconteceram nesta sexta-feira (29) e mais quatro serão realizadas neste sábado (30). A última acontecerá na próxima semana. A realização dessas cirurgias permitirá que os cirurgiões envolvidos aperfeiçoem seus conhecimentos, pratiquem o uso do robô e estejam aptos para utilizar a tecnologia com maior autonomia.
O mutirão tem o objetivo de acompanhar esses cirurgiões, que são certificados em cirurgia robótica, mas ainda não alcançaram a prática necessária. Para participar das cirurgias e instruir os cirurgiões locais, o hospital recebeu o preceptor Procto de Cirurgia Robótica, Gabriel Garbato, em parceria com a Intuitive. Um profissional renomado, que já participou de treinamentos por todo o Brasil. Com isso, Campos terá novos médicos formados para realizarem cirurgias robóticas.
“A ideia é auxiliar os colegas que estão iniciando na cirurgia robótica hoje, pra que consigam ter mais tranquilidade. Também passamos informações a mais, para auxiliar na segurança cirúrgica”, explica o proctologista.
Um desses cirurgiões em treinamento, é o Gustavo Cunha, especializado em cirurgia do aparelho digestivo, que está participando de todas as cirurgias do mutirão.
“Procuramos trazer a tecnologia robótica para os pacientes, ao invés de fazer uma cirurgia aberta, convencional. Assim, temos uma recuperação mais fácil, retorno ao trabalho mais rápido e menos chances de sangramento”, explica Gustavo Cunha.
A cirurgiã geral Luana Conti, compartilha a satisfação em participar do treinamento e do mutirão. “É de extrema importância o que estamos fazendo aqui, principalmente por trazer uma tecnologia que já é aplicada em várias partes do país. E ainda temos a oportunidade de contribuir com os pacientes desse mutirão. É muito gratificante”, fala.
A cirurgia robótica começou a ser realizada em Campos, pelo Hospital Geral Dr. Beda, em abril deste ano, quando foi adquirido o equipamento específico.
Segundo o preceptor Gabriel Garbato, a realização de cirurgias desse porte na cidade é de grande significância. “A gente tem que, cada vez mais, fornecer para o paciente do privado, do SUS e de todos os lugares do Brasil, a oportunidade de receber a cirurgia robótica, que é uma cirurgia pouquíssimo invasiva, com muita segurança. Uma cirurgia que permite uma recuperação mais rápida para o paciente. E para a região é fundamental! É um avanço na medicina local. A gente tem como se equiparar aos grandes centros do mundo, ao conseguir fazer algo desse porte em campos”, finaliza.
Fonte: J3 News e Futuro da Saúde/Gabriel Alves