Nos bastidores do principal evento esportivo do mundo, a tecnologia foi uma grande aliada. Mas não é de hoje, e tampouco fica restrito às Olimpíadas de Tóquio, o uso massivo de tecnologia — seja ela na organização do evento ou à frente de recursos envolvendo mobilidade, acompanhamento de atletas e transmissão em tempo real.
Hoje, já existe até mesmo um nome para as pequenas empresas de base tecnológica que atuam com enfoque no mercado esportivo: sportstechs. Um levantamento recente feito pela aceleradora Liga Ventures mostra que, apenas no Brasil, existem 104 sportstechs em funcionamento.
As startups com soluções para o esporte foram divididas em 11 categorias. Entre elas serviços esportivos, apostas, gestão de treinos e inteligência de dados. Em comum, todas as empresas foram fundadas a partir de 2012.
Na primeira versão do estudo, divulgada no ano passado, o número de startups era ainda maior: 135 empresas. A redução, porém, é um reflexo natural à medida em que os pequenos negócios ganham tração no mercado. “Os impactos da pandemia também afetaram as startups de esporte, mas ao mesmo tempo, esse foi um momento em que as empresas que usam a tecnologia para além dos marketplaces pudessem ter espaço ainda maior no mercado”, diz Raphael Augusto, Diretor de Inteligência de Mercado da Liga Ventures.
Como as startups vão moldar os próximos recordistas olímpicos
O princípio básico das sportstechs é unir esporte e tecnologia para ajudar no avanço do setor como um todo. A ideia é encontrar problemas e criar produtos e serviços para solucioná-los, assim como fazem as fintechs, edtechs e outras milhares de categorias de startups.
As startups podem ajudar a formar atletas mais conscientes de seu potencial físico a partir do uso de tecnologia. Com inteligência artificial e data analytics, as startups também se propõem a melhora do desempenho dos atletas e ajudar na prevenção de lesões, uma realidade comum entre os profissionais do setor.
Apesar do cenário otimista e que avalia o crescimento do segmento, o Brasil ainda tem muito a aprimorar para alcançar o patamar de outros países no que diz respeito ao incentivo e adoção de tecnologias no esporte. Nisso, as startups também podem ajudar.
Fato é que as Olimpíadas de Tóquio foram marcadas pela pandemia e pela diversidade de gênero e sexual, sendo uma das edições com a maior representatividade feminina da história e também a primeira na qual competem atletas transgêneros. Além disso tudo, a edição atual também reúne uma série de novos recordes olímpicos.
Um deles é o do nadador americano CaelebDressel, que fez o tempo mais rápido na prova de 100 metros no nado borboleta, com 49,45 segundos. O recorde anterior era de Michael Phelps, dono de 37 recordes mundiais (agora 36). No maior palco do mundo para atletas, outro destaque foi o norueguês Karsten Warholm, que venceu sua própria marca na corrida com obstáculos e fechou a prova aos 45,94 segundos. Novo recorde mundial.
Da tecnologia de carbono presente nos calçados dos corredores ao monitoramento e melhoria da performance em treinos antes mesmo das competições, as startups têm um vasto campo para inovação e assim, cada vez mais, contribuir com a geração de novos recordistas olímpicos. O racional por trás disso é simples: atletas com melhor preparação, conscientes de seu potencial e limitações físicas, têm performances ainda melhores e chegam mais perto não apenas do ouro, mas de marcos históricos.
O tamanho do mercado
O investimento em inovação no universo esportivo será exponencial, mostra um relatório da MarketsandMarkets. Até 2024, o mercado de tecnologia no esporte deve saltar de 8,9 bilhões de dólares para 31,1 bilhões de dólares.
Esse mesmo potencial de expansão também pode ser visto no Brasil, principalmente ao avaliar as oportunidades de negócio geradas a partir de problemas estruturais do esporte nacional que, segundo a pesquisa, são:
- disparidade de receitas entre clubes;
- concentração de investimentos no futebol;
- pouco envolvimento e suporte do poder público;
- estrutura pouco profissionalizada;
- ausência de cultura digital nas entidades esportivas.
Segundo Raphael Augusto, o primeiro passo nessa corrida contra a desvantagem mundial seria a profissionalização da própria gestão esportiva. “Para que qualquer clube, do maior ao clube de bairro, possa aproveitar das tecnologias que vêm das startups, é preciso uma capacitação e profissionalização”, diz. De acordo com o levantamento da Liga Ventures, existem hoje 12 startups no país dedicadas aos serviços esportivos, ou seja, que utilizam de ferramentas para oferecer educação e capacitação e outras soluções de gestão e de conexão de todos os elos da cadeia esportiva, dos atletas aos clubes.
Algumas iniciativas já existem para melhorar esse cenário. No Brasil, um dos projetos pioneiros de fomento a startups do setor é o Arena Hub, um centro de inovação e empreendedorismo para o esporte que conecta startups, entidades, investidores e grandes empresas. Já são mais de 90 startups, 30 entidades esportivas e 20 parceiros estratégicos associados ao Hub.
Em 2019, um fundo de venture capital, lançou um comitê sportstechs, para investir até 5 milhões de reais em soluções para o segmento de esportes. Sob liderança do Thiago Pereira, ex-nadador e atleta olímpico, e de outros membros e investidores, o comitê já investiu em três startups.
Para onde olhar daqui para frente
Sem fugir à regra do que tem sido observado — e intensificado durante a pandemia para a grande maioria dos setores, o primeiro movimento natural no esporte será o reforço de canais digitais.
Mas, em um segundo momento, o destaque estará em empresas capazes de melhorar a performance de atletas, o que consequentemente melhora o desempenho de clubes e instituições esportivas. “A busca será pela competitividade”, diz. Segundo Raphael Augusto, é possível mapear três principais tendências para o universo das sporttechs no futuro:
1. Busca por engajamento
Uma importante vertical do futuro das sportstechs considera todo o entorno da prática esportiva. No cálculo, entram publicidades e também interações com o público torcedor.
Os Jogos Olímpicos de 2021 colocaram à prova a importância da proximidade com os fãs. Uma ferramenta lançada pelo Google permite assistir a alguns atletas usando o recurso de realidade aumentada, o famoso 3D. Os recursos permitem “ver” atletas como a tenista Naomi Osaka, a ginasta Simone Biles e a skatista brasileira Letícia Bufoni.
2. Um marketing para cada um
Pensando neste cenário de maior exposição, a tecnologia adotada por startups também vêm para personalizar a experiência de cada torcedor, de maneira individual. “Esse será um esforço das marcas, e vai refletir nas startups buscando trazer mais soluções nesse sentido”, diz Augusto.
O potencial é, de fato, enorme. Segundo uma pesquisa da empresa de dados alemã Statista, só nos Estados Unidos, o marketing de experiências tem movimentado cerca de 57,7 bilhões de dólares.
3. Busca pela performance
Para além do dia a dia do marketing e patrocínios esportivos, o mercado para a ciência de dados está cada vez mais aquecido no esporte. “Olhar para performance esportiva e trazer tecnologia comuns a outros segmentos para o setor de esportes, como transações financeiras por exemplo, é a grande tendência”, diz Augusto.
Em Tóquio, por exemplo, a empresa dinamarquesa TrackMan auxiliou, com sua tecnologia, os jogadores do time do Japão a melhorar o desempenho em busca da medalha na Olimpíada. Para isso, a empresa se vale de tecnologias semelhantes às utilizadas em radares aéreos das forças armadas para identificar e coletar dados de arremessos e tacadas. Com as informações, é possível treinar especificamente a técnica deficitária.
Fonte: Exame / Maria Clara Dias