A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD) estima que os custos de doenças crônicas como diabetes e hipertensão vão mais que dobrar em 20 anos. Devem atingir 30 trilhões de dólares. No entanto, cerca de 20% desse montante é desperdiçado ou utilizado de maneira pouco efetiva. As abordagens tradicionais para lidar com doenças crônicas focam nas pessoas que já estão com o problema de saúde estabelecido. Enfatizam as intervenções caras, pois são centradas nos hospitais, e demandam uso intensivo de capital. O modelo vigente gera resultados ruins para o sistema e para os pacientes.
Os serviços são fragmentados e os esforços acabam direcionados para o atendimento pontual nos hospitais e consultórios, o que impede a atenção adequada e o compartilhamento necessário das informações dos pacientes. Em 2008, o Institute for Healthcare Improvement lançou o Triple Aim, estratégia para otimizar o desempenho do sistema de saúde baseada em três dimensões:
1) melhorar a experiência individual;
2) adotar uma abordagem populacional Para enfrentar as enfermidades crônicas, o melhor modelo é o que junta esforços públicos e privados para mudar o comportamento da população em direção a uma vida mais saudável (de uma empresa, uma comunidade ou um país);
3) reduzir o custo per capita dos cuidados de saúde.
Ou seja, se quisermos resultados efetivos, é preciso melhorar a qualidade dos cuidados e a coordenação da atenção à saúde populacional. Se governos e organizações continuarem lidando com o tema saúde de forma atomizada, os resultados continuarão limitados.
ÊNFASE NA DEMANDA
Nesse contexto, o Fórum Econômico Mundial lançou, em 2017, um documento em que propõe um modelo chamado Human-Centric Health Ecosystem (HCHE). Como o próprio nome indica, o HCHE coloca as necessidades dos indivíduos em seu centro. Diferentes stakeholders dos setores público e privado devem criar um ambiente de cooperação que responda às demandas individuais – e populacionais – e seja capaz de influenciar as decisões das pessoas e melhorar seu bem-estar. Seu oposto é um sistema direcionado pela oferta, que enfatiza um arsenal de intervenções caras e intensivas em capital, muitas vezes desnecessárias ou evitáveis. Ênfase é dada no comportamento individual, porque é este que vai determinar em última instância a saúde das pessoas.
A assistência médica inadequada não é o principal fator que leva a desfechos trágicos em saúde. Como mostra o gráfico, 40% das mortes prematuras no mundo são associadas a um estilo de vida não saudável – a assistência médica é responsável por 10%. Hoje, é consenso que fazer atividade física e ter uma alimentação equilibrada são comportamentos que ajudam a evitar doenças crônicas e a prolongar a vida com qualidade. No entanto, segundo a pesquisa Global Benefit Attitudes Survey, realizada em 2015 com habitantes de 19 países, uma parcela significativa das pessoas considera-se ocupada demais para adotar um estilo de vida saudável, e é na América Latina que esse percentual é mais alto, de 38%. Outro empecilho são os compromissos familiares, que, para 35% dos brasileiros, deixam pouco tempo para ações benéficas à saúde. O HCHE defende a incorporação de múltiplos níveis sobre a saúde, com ações institucionais para informar, empoderar e estimular iniciativas individuais voltadas à prevenção e à mitigação das doenças crônicas. Para isso acontecer, stakeholders devem superar as inevitáveis barreiras que possam ameaçar o funcionamento do sistema e encontrar formas de coordenação que evitem conflitos.
O documento ressalta que ajudar as pessoas a manter um bom estado de saúde representa uma oportunidade de mercado e um benefício social, uma estratégia que dará resultados no longo prazo.
Na mesma linha, a organização Business at OECD (BIAC), comitê consultivo da OECD, publicou em 2017 um documento denominado Our vision for the future of health, em que identifica quatro áreas prioritárias:
1) Cuidado integrado: os novos modelos devem compartilhar e replicar boas práticas para a promoção da saúde e desenvolver roteiros (roadmaps) para sistemas integrados baseados em evidências;
2) Estímulo à inovação: a cooperação entre stakeholders públicos e privados pode assegurar que inovações (como a medicina personalizada via diagnóstico genético) para prevenir e diagnosticar precocemente doenças cheguem, de fato, aos cidadãos. Os novos recursos digitais também oferecem potencial para o setor de saúde;
3) Promoção de melhor alimentação e estilo de vida: segundo o McKinsey Global Institute, a obesidade tem impacto econômico (por causa do custo de tratamento de doenças crônicas decorrentes) de US$ 2 trilhões ao ano, ou 2,8% do produto interno bruto (PIB) mundial. Inciativas coordenadas por múltiplos stakeholders podem oferecer produtos inovadores e diversificados aos consumidores, fornecer informações nutricionais de fácil compreensão, criar campanhas educacionais para uma alimentação saudável, reduzir o impacto do marketing infantil e promover estilos de vida equilibrados;
4) Investimento na saúde do futuro: estudo realizado por Robert Fogel, Prêmio Nobel de Economia, estima que 50% do crescimento da Inglaterra entre 1790 e 1980 foi por conta da boa saúde da população. Um artigo publicado na revista The Lancet calcula que 24% do crescimento da riqueza de países de rendas média e baixa entre 2000 e 2011 foi resultado de melhorias na saúde. Os grupos empresariais que compõem o BIAC têm uma visão para o futuro do sistema de saúde em que o cuidado é completamente integrado e em que governos e iniciativa privada buscam, juntos, a inovação.
MUDANÇA NAS EMPRESAS
Um aspecto importante na saúde populacional é a construção de uma cultura de saúde nas organizações que traga resultados significativos em termos de produtividade e redução de custos em assistência médica.
Os principais componentes de uma organização com uma cultura de saúde são:
• Promover uma visão de saúde para a organização;
• Engajar a liderança e alinhar as ações em saúde com toda a gestão da organização;
• Criar políticas que estimulem um ambiente de trabalho saudável e um ambiente que as suporte;
• Desenvolver um banco de dados integrado para analisar as informações da saúde dos empregados e de seus familiares;
• Determinar indicadores estratégicos para a gestão da saúde;
• Implementar ações amplas e efetivas para toda a população-alvo.
A construção de ambientes de trabalho saudáveis nas organizações permite a identificação de boas práticas que podem ser replicadas em maior escala. Assim, podem contribuir para a melhoria do estado de saúde de uma população mais abrangente, com impacto na qualidade de vida e no desempenho das pessoas em casa e no trabalho. Consequentemente, mudanças organizacionais levam ao avanço gradual na saúde do país.
Fonte: RAE Publicações – FGV EAESP/Ana Maria Malik e Aleberto José Ogata