Há mais de dois anos, desde a sua promulgação, a Lei 14.133/2021 tem sido um tópico de discussão fervorosa na comunidade jurídica, entre gestores públicos, órgãos de controle e no mercado em geral. A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos representa uma tentativa significativa de consolidar e modernizar a regulamentação das contratações públicas no Brasil. Ela incorpora não apenas as normas anteriores, mas também a jurisprudência dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e as ferramentas tecnológicas que se tornaram parte integrante da Administração Pública brasileira.
A pergunta que paira sobre todos é a seguinte: por que, apesar de ser uma legislação que visa aprimorar a gestão pública, a plena aplicação da Nova Lei de Licitações tem sido tão desafiadora?
Uma hipótese pode ser a mudança substancial de abordagem entre a Lei 14.133 e a antiga Lei 8.666/1993. A Nova Lei de Licitações tem um enfoque mais gerencial, com ênfase na governança das contratações e em aspectos cruciais como planejamento, gestão de pessoas, controle, gestão de riscos e eficiência administrativa. Em contrapartida, a Lei 8.666 tinha uma abordagem mais formalista, preocupando-se principalmente com os procedimentos de licitação e contratação em si, em vez dos mecanismos institucionais que fazem com que as contratações se concretizem. A Nova Lei exige uma mudança de perspectiva, saindo do foco estrito nas rotinas de licitação para priorizar a governança, alinhando os processos com as políticas públicas e estratégias organizacionais.
No entanto, após mais de dois anos da vigência da Lei 14.133, as ações para sua implementação plena têm se concentrado em investigar as mudanças nos procedimentos e detalhes técnicos, em vez de abordar questões cruciais de governança e estruturação organizacional. Ainda não está claro o que estados e municípios fizeram para melhorar o planejamento das contratações e fortalecer a governança.
A iminente revogação da Lei 8.666, prevista para o segundo semestre de 2022, trouxe à tona o debate sobre a aplicação da Lei 14.133, especialmente em nível municipal. Isso se tornou ainda mais evidente com a promulgação da Medida Provisória 1167, em 31 de março de 2023, em resposta às dificuldades enfrentadas pelos municípios na implementação da nova legislação, especialmente os de menor porte.
Os argumentos para a edição da Medida Provisória foram apresentados de maneira geral, sem muitos detalhes. No entanto, diante do impacto da Lei 14.133, é importante entender as reais dificuldades e obstáculos à sua aplicação. Em que medida as mudanças promovidas pela nova legislação afetam a capacidade de planejamento das contratações municipais?
Para obter um diagnóstico mais abrangente, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e o Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), em colaboração com os Tribunais de Contas locais, realizaram uma ampla pesquisa com gestores municipais, abordando 29 questões. A pesquisa, realizada entre 20 de abril e 21 de julho, obteve 2.498 respostas de praticamente todos os estados do Brasil.
As respostas revelam que os principais desafios na implementação da Lei 14.133 estão relacionados à governança das contratações, incluindo a falta de políticas de gestão de pessoas, a ausência de instrumentos de macroplanejamento e a baixa adoção de ferramentas tecnológicas. Muitos municípios utilizam sistemas eletrônicos apenas para licitações, e muitos desses sistemas são de propriedade privada.
Outro aspecto crítico da governança é o sistema de controle e gestão de riscos, que muitas vezes não atende aos padrões de um Estado gerencial, com falta de diferenciação entre atividades de segunda e terceira linha de defesa e ausência de unidades de auditoria. É importante destacar o papel da advocacia pública, que deve ser estruturada de acordo com a realidade local, mas desempenhando um papel relevante na prevenção.
Portanto, as dificuldades na implementação da nova Lei de Licitações não são apenas resultado da complexidade das mudanças, mas também da falta de desenvolvimento de práticas efetivas de governança nas contratações públicas. Os Tribunais de Contas desempenham um papel fundamental na orientação e capacitação dos municípios, especialmente os de menor porte, para superar essas dificuldades. Isso pode ser alcançado por meio de ações de capacitação, promoção de boas práticas e incentivo ao uso de tecnologia nos processos de contratação e planejamento. Essas iniciativas fortalecem a capacidade institucional da Administração Pública, contribuindo para a entrega de serviços públicos de alta qualidade à sociedade. Os Tribunais de Contas brasileiros têm desempenhado um papel cada vez mais proativo na prevenção de problemas, na resolução consensual de controvérsias e na capacitação dos agentes públicos, e essa abordagem é fundamental para o sucesso da implementação da Nova Lei de Licitações.