Nenhum povo ou nação no mundo sobreviveria e se desenvolveria se não fosse pela impulsão dada pelas soberanias, pelo Estado e pela implementação de suas políticas públicas. A forma como se conduz e se alavanca o desenvolvimento sempre foi a chave mestra que tem a promessa de abrir portas para o enriquecimento de seu povo. Enriquecimento não só monetário, mas também, social, cultural e ambiental. Por causa da ameaça ao desenvolvimento é que começaram as discussões sobre como melhorar as condições de vida do homem.
Numa concepção antropocentrista, os primórdios da busca pela qualidade de vida, se deu em razão da preocupação com a sobrevivência. Já em 1798, Thomas Malthus já defendia o fato de que a falta de alimentos ou recursos naturais poderia colocar a humanidade em crise se houvesse um crescimento demográfico muito grande. Teoria combatida por muitas Escolas de Sociologia e Antropologia, mas que não deixa de fazer sentido. Em 1968, reunidos em forma de organização, um grupo de intelectuais passaram a discutir e questionar o futuro das condições humanas no planeta. Nasce o Clube de Roma, que em 1972 produziu um relatório intitulado “Os limites do crescimento” que inclusive deu azo, junto com outras discussões da época, a primeira conferência da ONU sobre meio ambiente, que aconteceu no mesmo ano.
De lá pra cá o assunto “qualidade de vida” em todas as suas dimensões entrou na pauta não só dos governos mundiais como das corporações e instituições privadas. À medida que a comunidade científica, governos, empresários e sociedade amadureciam a questão, muitas soluções para se buscar a tão desejada “qualidade de vida” foram apresentadas, desenvolvidas e aperfeiçoadas. Em alguns casos renderam conquistas em outros nem tanto. As conquistas dos direitos trabalhistas, pela qualidade no ambiente laboral, a busca pela eficiência dos produtos, o ganho com a satisfação do cliente, a consciência ambiental na produção e no consumo, impulsionaram os avanços. Na selva de pedra do capitalismo só sobrevive quem se adequa às tendências. Proteger e respeitar o meio ambiente, incluindo todos seus eixos, social, econômico, ambiental, cultural, é sobretudo um indicador de bons negócios à frente.
Ao chegar com a mesma roupagem, desde 2005, mas com uma nova etiqueta, o conceito ESG, acrônimo de Environment, Social e Governance tem movimentado o mundo corporativo e aqueles que não incorporarem essas práticas poderão perder valor de mercado, além de sofrer outros impactos prejudiciais aos negócios. Nesse aspecto, CEOs de grandes empresas globais têm transformado o ESG em protagonista no planejamento estratégico, impulsionando sua difusão em todos os setores. É possível identificar que a propulsão desse novo modal de sustentabilidade empresarial também atingiu a Administração Pública.
O objetivo do presente artigo é apresentar, sumariamente, como o ESG tem sido aplicado na Administração Pública, bem como, fazer um recorte nas contratações, explorando a Nova Lei de Licitações com essa proposta de sustentabilidade e governança.
1. ESG – A SIGLA QUE ESTÁ REVOLUCIONANDO AS CORPORAÇÕES
Há algum tempo o lucro deixou de ser o único objetivo das corporações e a sustentabilidade tornou-se o guia que orienta os negócios.
Atualmente outro termo tem sido aplicado para materializar práticas que visam minimizar os impactos das empresas no meio ambiente, auxiliar na construção de um mundo mais justo e equânime para a sociedade e, conjuntamente, aplicar os melhores processos de administração. Trata-se do ESG, sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português), aplicada para mensurar as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa.
Um estudo realizado pela consultoria BCG demostrou que as empresas que adotam as melhores práticas ambientais, sociais e de governança auferem diversos impactos positivos, como maior lucratividade, melhora em seu valor de mercado ao longo do tempo, resiliência, capacidade ética, acesso e inclusão, dentre outras vantagens.
O movimento de CEOs de grandes corporações, como a Black Rock, a Apple, Amazon, a Dell e a Unilever, incentivou milhares de empresas e demonstra que a sustentabilidade nos negócios virou protagonista quando o assunto é a vantagem competitiva.
Os temas tratados nas práticas ESG e as ações corporativas que as materializam podem ser resumidos no quadro abaixo:
TEMA | AÇÕES PROPOSTAS | |
E – Environmental (meio ambiente) | Mudanças climáticas, restrição de recursos hídricos, gerenciamento de resíduos sólidos, aumento da poluição, perda da biodiversidade, dentre outros | Ações que auxiliem no combate às ameaças, ou que as minimize, como equipamentos que diminuam a emissão de gases, investir em projetos de sequestro de carbono, uso eficiente da água e energia, gestão adequada de resíduos, escolha de produtos sustentáveis, análise do ciclo de vida de produtos, etc. |
S – Social | Direitos do trabalhador, diversidade, inclusão, comunidade ao redor, etc. | Ações sociais, de saúde, segurança e bem estar dos colaboradores, da comunidade, responsabilidade com os clientes e relacionamento com os stakeholders. |
G – Governança | Direitos dos acionistas, gestão de riscos, transparência fiscal. | Ações anticorrupção, políticas de integridade, canais de denúncia, planejamento estratégico, transparência das ações, etc. |
No entanto, o leitor não pode presumir que ESG é um elemento exclusivo das corporações privadas. A Administração Pública também deve aplicar o conceito de forma interna, em seus processos e políticas e para seus agentes, bem como de modo externo, nas relações com seus fornecedores e nas suas contratações, como será visto adiante.
2) TEORIA ESG NO SETOR PÚBLICO. SERÁ POSSÍVEL SUA APLICAÇÃO?
Assim como no ambiente corporativo, no qual a inserção do método ESG tem tido boa receptividade e é fator que abre janelas de oportunidades para o fim lucro, no setor público, tal metodologia, embora ainda incipiente do ponto de vista teórico, já é bem difundida, pelo menos sob uma ótica de normatização. Isso porque o ente público, seja qual for o âmbito de atuação, em razão de vários compromissos oriundos quase sempre de diretrizes internacionais, têm por meta e obrigação, instituir políticas públicas em vários segmentos e temáticas, voltadas para o atendimento daqueles compromissos.
Dentro os mais recentes, são os transpostos na Agenda 2030 que foi oficializada em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), no qual 193 países, incluindo o Brasil, se comprometeram em enfrentar os maiores desafios do mundo contemporâneo. Para isso foram eleitos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se relacionam dentre outros, com questões de efetivação de direitos humanos, governança na gestão pública e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões social, econômica, ambiental e institucional. E é exatamente neste contexto que o Governo Federal e em seguida os Estados e Municípios passaram a considerar esses objetivos instituídos e suas metas para melhor gerir a res pública. Decerto que muito antes dessas inciativas outras tantas já faziam parte de agendas governamentais voltadas para atender objetivos anteriores estabelecidos, como os da Agenda XXI, os de Desenvolvimento do Milênio (ODM), dentre outros.
Pelos exemplos supramencionados, podemos constatar que a teoria ESG, que está tão amplamente disseminada no ambiente privado, já estava presente nas intenções de algumas instituições públicas, pelo menos no campo teórico. Então, o que falta para que ela seja aplicada efetivamente na esfera pública? De forma um tanto apressada, podemos arriscar responder que há necessidade de qualificar, disseminar e dar melhor transparência as políticas desenvolvidas, tanto no planejamento, quanto na gestão e nos resultados obtidos.
Em 2012, uma importante ferramenta de gestão foi instituída através da Instrução Normativa nº 10, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do extinto Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que veio a regulamentar o art. 16 do Decreto nº 7.746 do mesmo ano. Trata-se do Plano de Gestão de Logística Sustentável que passou a ter sua implementação obrigatória para os entes federais e posteriormente foi regulamentado por vários outros entes estaduais e municipais, inclusive do legislativo e judiciário. A proposta dava margem para a eleição de eixos temáticos específicos e pertinentes aos órgãos e entidades que o internalizaram e a respectiva adoção de metas, objetivos, projetos e programas voltados para ações relacionadas com redução de gastos e otimização da qualidade de vida no ambiente laboral.
Nesse sentido, a proposta ESG, que vem migrada da esfera privada para a pública, é sobretudo uma oportunidade para que a temática ganhe novo ânimo, contornos e seja interpretada sob uma ótica mais robusta. Assim como o setor privado ganha quando cuida melhor do seu negócio, mitigando seus impactos, o setor público ganha excelência na prestação de seus serviços, no relacionamento com seus stakeholders e na geração de valor que envolvem os seus resultados. Seja no trato interno, seja no externo, todos, absolutamente todos, se beneficiam de uma gestão que é ambientalmente consciente, socialmente preocupada e comprometida e institucionalmente clara, difusa e eficaz.
Em curiosa nota no site do Centro de Lideranças Públicas, extrai-se que o alinhamento do setor público com as premissas do ESG se confunde muito com as próprias obrigações do Estado e, no caso específico do Brasil, com os princípios fundamentais da República, listados no título inicial da Constituição Federal de 88. Em âmbito global, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, já anteriormente mencionados, ofereceram ao mundo uma agenda para promover um alinhamento de esforços nesse sentido.
Dessa forma, entendemos que sim, a metodologia ESG pode perfeitamente ser aplicada pelo setor público, pois, o imenso clamor em torno do tema e do sucesso de sua aplicação no setor privado tem nutrido iniciativas que viabilizam a mensuração dos temas relacionados ao ESG também no setor público, oportunizando uma melhor performance no tratamento dado ao assunto, de forma individual e particularizada, pelos entes federativos, permitindo que o controle e a pressão social, como um dos principais vetores do serviço público, façam com que a governança ambiental e sustentável se tornem agendas fortes e motivem a criação de políticas públicas para seu aprimoramento.
O que pode e talvez até ainda falte, é o compromisso massivo de todas as lideranças governamentais, da maior a menor, no qual possam contribuir para que a metodologia ESG seja, de fato, internalizada nos seus processos. Conhecer e se capacitar é um bom caminho, pois só dessa forma, podemos romper com a tradicional forma de se criar, conduzir e prestar um serviço público.
3) A TEORIA ESG NO CONTEXTO INTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Conforme aqui esposado, ao que parece, a Administração Pública já internalizou em sua rotina e em seus processos a teoria ESG, porém com outra denominação e com pouquíssimo impacto na prática. O Plano de Gestão de Logística Sustentável é uma realidade para muitos órgãos/unidades da Administração Pública, mas em apenas algumas exceções, que vale a pena aqui a menção, se pode extrair a conclusão de que esses são realmente úteis, aplicados e eficientes. Na sua grande maioria, são publicações com a proposta de apenas constar no ckeck list das auditorias – e isso é um fato.
Retomando a questão sobre algumas dessas iniciativas, mencionamos: 1) foi o Poder Executivo que primeiro disciplinou a matéria de forma mais esmiuçada e pontual, através da Instrução Normativa nº 10/2012, e hoje com a Portaria SEGES/ME nº 8.678, de 29 de julho de 2021; 2) a Resolução nº 400, de 16 de junho de 2021 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a política de sustentabilidade no âmbito do Poder Judiciário, e que trouxe novos indicadores de desempenho para serem mensurados pelos tribunais e conselhos superiores e, antes dela, a Resolução CNJ 201/2015 já obrigava os órgãos da estrutura do judiciário a elaborarem seus Planos de Gestão de Logística Sustentável (PLS); 3) no legislativo, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal, bem como o Tribunal de Contas da União, já possuem seus PLS aprovados e renovados para o período 2021 a 2025.
A ESG, que bem podemos batizar com a sigla GSA, em correspondência com a denominação Governança Socioambiental, já é portanto, na esfera pública, uma realidade no campo teórico. A vocação institucional para editar normativos, cartilhas, manuais e catálogos é louvável e muito bem cumpre seu papel de dar subsídio a futuras e possíveis atuações práticas.
Em 2017 o Tribunal de Contas da União, enviou um questionário por amostragem a cento e uma (101) instituições da Administração Pública Federal e com base nas respostas chegou a conclusão de que não houve avanço na implementação de ações destinadas à promoção da sustentabilidade. Segundo o Portal do TCU, os resultados apontam grau insuficiente de gestão e de implementação das ações de promoção da sustentabilidade na APF, atuação deficiente no nível central de governo e baixa evolução na adoção de critérios e práticas sustentáveis nas contratações. A equipe de auditoria verificou, também, a implementação incipiente de ações voltadas para a utilização de edifícios públicos mais eficientes e sustentáveis, além de constatar deficiências nas iniciativas relacionadas com a gestão de resíduos e a realização de coleta seletiva solidária.
Na auditoria supracitada o TCU propôs a criação de um índice de Acompanhamento da Sustentabilidade na Administração (IASA) com uma metodologia bem auspiciosa e que já demonstra uma aptidão para o controle das ações, de forma concreta e eficaz. O IASA na versão ESG pode evoluir para o alcance de metas voltadas para o viés social e de governança, assim como, o da sustentabilidade. Pode-se aperfeiçoar a dinâmica já conhecida para torná-la mais acessível e com maior alcance.
A repercussão das ações ESG criadas em sede federal, como indica a tradição, sempre alcançam os demais entes e âmbitos do poder. Inclusive, em muitos casos, estes se superam em relação aos primeiros, no qual muitas agendas, programas, projetos e ações são muito mais consistentes e efetivas. A exemplo de como se deu no âmbito privado, a entrada da teoria ESG/GSA no âmbito público se justifica quase que pelas mesmas razões: necessidade de otimizar custos, boa reputação, aumento de credibilidade junto aos seus stakeholders, que no caso do setor público, são os seus fornecedores, servidores e sociedade, agregar valor, criar condições e regulações necessárias para incentivar investimentos e a adoção de boas práticas ao seu entorno.
O Estado de São Paulo iniciou esse trabalho em conjunto com algumas empresas especializadas do ramo ESG e está internalizando o seu plano de implementação e monitoramento, mas certamente não começa do zero, pois o Estado já tem uma série de iniciativas aderentes à pauta ESG. Desde o início do atual governo, houve grande preocupação em implementar iniciativas na agenda ambiental, social e de governança. Não são poucos os exemplos: pode-se falar em metas como desmatamento zero, restauração ecológica, principalmente de rios poluídos, o Programa Agro Legal, que pretende restaurar mais de 800 mil hectares de vegetação nativa, um sistema na web sobre transparência para a gestão pública, e ainda, outras ações como, SP Sem Papel, criação de um programa social da História de São Paulo, por meio da Bolsa do Povo e, por fim, a realização de uma licitação para construção da rodovia Piracicaba-Panorama, a primeira carbono zero do País.
4. A RELAÇÃO ENTRE A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E O ESG
Aprofundando-se mais no tema, uma nova visão das licitações foi inaugurada com o advento da Lei n° 12.349/2010, que incluiu no artigo 3° da Lei n° 8.666/93 a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, como um novo objetivo legal a ser perseguido pela Administração Pública em suas contratações, ao lado da isonomia e da proposta mais vantajosa.
Com base nesse novel objetivo, Daniel Ferreira (2012) atribui às licitações uma finalidade material extraordinária, como “Função Social”, rompendo com a neutralidade administrativa da contratação.
Na mesma toada, Juarez Freitas (2012) ressalta a importância de “se assumir, vez por todas, que, em qualquer processo administrativo, o Estado tem de implementar as políticas constitucionalizadas, com o desempenho da função indutora de boas práticas sustentáveis, ao lado da função isonômica de oferecer igualação formal e substancial de oportunidades”. Para o doutrinador nas contratações públicas, “o melhor preço é aquele que implica os menores impactos e externalidades negativas e os maiores benefícios globais”.
Diante desse novo paradigma para a Administração Pública, não seria surpreendente que a Nova Lei de Licitações dialogasse com o conceito de ESG, como se passará a demonstrar.
Como visto anteriormente, a sigla ESG considera as práticas ambientais, sociais e de governança nas relações corporativas. Esse olhar foi traduzido pelo legislador da Nova Lei de Licitações, a Lei n° 14.133/21, que em diversos artigos materializa a vontade estatal de congregar nas contratações públicas os mesmos elementos ESG traduzidos na atividade privada.
Vamos analisá-los sumariamente.
Na primeira referência, seguindo a ordem dos artigos, a Lei erigiu o desenvolvimento sustentável a princípio e objetivo das contratações públicas. Pode-se afirmar que houve uma evolução legislativa da aplicação do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações públicas, passando apenas de objetivo atrelado à vantajosidade da proposta e vinculado ao intervencionismo estatal de promoção de políticas públicas para também uma categoria principiológica, que apresenta contornos próprios aplicando-o em suas dimensões econômica, social e ambiental e criando autonomia normativa aplicável de forma ampla.
Seja objetivo, seja princípio, a interpretação legal é convergente para o mesmo escopo: uma contratação pública sustentável, promotora de políticas públicas econômicas e socioambientais que se compatibilizam em prol do interesse coletivo e de valores consagrados constitucional e globalmente.
Na sequência das referências, um dos mais importantes comandos legais é o estatuído no artigo 11 em seu parágrafo único, que estabeleceu as bases da governança nas contratações públicas[18].
Governança das aquisições pode ser definida como o “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das aquisições, com o objetivo de que as aquisições agreguem valor ao negócio da organização, com riscos aceitáveis”.
Tem por objetivo alinhar as políticas e estratégias de gestão das contratações às prioridades da Administração, assegurar a utilização eficiente de recursos públicos, mitigar riscos, auxiliar a tomada de decisões, assegurar a transparência, o controle social e o cumprimento dos papéis e responsáveis de todos os atores ao longo do ciclo da contratação. Tais objetivos ainda dão suporte à materialização da eficiência, eficácia e efetividade, com resultados positivos à coletividade.
Outra referência legal na NLL à ESG é a expressão “ciclo de vida do objeto”, que no artigo 6° estabelece que o termo de referência deve conter como elemento a descrição da solução como um todo, considerando o ciclo de vida do objeto. No artigo 11, a Lei estabeleceu que a vantajosidade da contratação, como objetivo do processo licitatório, também deve considerar o ciclo de vida do objeto[21].
O ciclo de vida ainda teve sua referência ao tratar a lei da fase preparatória do processo licitatório, devendo ser considerado um meio apto a gerar o resultado de contratação mais vantajosa para a Administração.
O ciclo de vida de um produto foi instituído para dimensionar em todas as fases e etapas que contemplam a fabricação, o uso e o descarte, quais os impactos socioambientais que o produto causa em sua cadeia. Para as contratações públicas o ciclo de vida também é um importante instrumento para avaliar o impacto econômico das aquisições, indo além da etapa de entrega do bem à Administração, passando pela utilização, o desfazimento e o descarte.
Seguindo na análise da Lei n° 14.133/21, como forma de estimular, mas de forma cogente, a Administração Pública, a Lei de Licitações estabeleceu no artigo 45, que as licitações de obras e serviços de engenharia deverão respeitar a uma série de normas de cunho socioambiental.
O comando legal não se traduz em faculdade. Desse modo, ao promover qualquer licitação para obras e serviços de engenharia, deve a Administração utilizar produtos que reduzam o uso de recursos naturais, garantir acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida, destinar adequadamente os resíduos sólidos gerados, etc. É importante se observar, também, que as imposições acima decorrem de normas constitucionais e infraconstitucionais, todavia o legislador enfatizou tais políticas e diretrizes como forma de sobrelevar as políticas públicas socioambientais e incorporá-las ao texto da Lei de Licitações, numa ação propositiva e inserida em valores relevantes para a sociedade.
A sustentabilidade ambiental também é objeto dos elementos da remuneração variável para contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia.
Seu objetivo é criar incentivos remuneratórios para melhoria da performance contratual, vinculados a metas e padrões definidos no edital e contrato.
A remuneração variável pode vincular objetivamente a obtenção de vantagens adicionais à Administração Pública por meio da validação de parâmetros de qualidade, metas atingidas e outros elementos e que ultrapassam as obrigações estabelecidas para execução do contrato.
Nesse sentido, a lei de licitações estabeleceu, portanto, que critérios de sustentabilidade ambiental podem resultar em remuneração variável ao contratado. Tais critérios, se objetiva e adequadamente estipulados, podem trazer importantes vantagens à Administração Pública no que se refere à sua própria performance ambiental.
Por fim, o último aspecto que merece apontamentos na nova lei de licitações quanto à sustentabilidade diz respeito ao procedimento adequado após constatação de irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual.
Segundo disposto no artigo 147, se não for possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou a declaração de nulidade do contrato apenas será adotada após avaliação de determinados aspectos, dentre os quais, encontram-se os riscos sociais, ambientais e à segurança da população local em vista de atraso na fruição dos benefícios que decorreriam do contrato; motivação social e ambiental do contrato; fechamento de postos de trabalho e razão da paralização, dentre outros, como se observa da letra da lei.
A novel legislação, portanto, impõe ao administrador público a avaliação dos impactos e consequências práticas de suas decisões e o exame de possíveis alternativas que estejam alinhadas ao interesse público envolvido com a medida a ser tomada, conferindo maior segurança jurídica às decisões, buscando garantir efetividade social, econômica e ambiental e ponderando o princípio da razoabilidade para valoração dos impactos da decisão a ser tomada.
Decorre, portanto, da leitura sumária dos comandos legais que a Nova Lei de Licitações mergulhou no conceito ESG incorporando às contratações públicas a preocupação com o meio ambiente, a sociedade e a governança em seus processos.
Conclusão
Em normativa da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, editou na Portaria 8.678, de 19 de julho de 2021, algumas orientações para melhor governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública Federal, reforçando, dentre outras questões, a que trata do Plano Diretor de Logística Sustentável. Pode-se pressupor que utilizando uma nomenclatura diferenciada, a referida norma queira disciplinar matéria semelhante ao ESG/GSA, o que é louvável e merecedora da nossa atenção.
A teoria ESG/GSA pode vir a se tornar uma “grande virada de chave” na condução da gestão do interesse público. Como um resgate ela vem para revigorar e dotar de novas estratégias acompanhadas de novos interesses e interessados. Com o potencial para fomentar e direcionar políticas públicas de transformação de paradigma social estamos mais uma vez diante de uma vocação nata da Administração Pública – qual seja, de criar paradigmas ante aos paradoxos. As consequências de natureza pragmática, se fiéis e comprometidas com seus propósitos, podem elevar a qualidade de vida em sociedade em um outro patamar, que respeita e entende os impactos de seu consumo, que promove e protege a vida social e busca desenvolvimento econômico sem causar tantos estragos. Eis que a Administração Pública tem uma nova oportunidade para fazer melhor e de novo.
Neste artigo demonstramos que um novo ciclo de ações mais efetivas no que tange à sustentabilidade em todas as suas dimensões foi inaugurado no setor público e que muito dependerá das mãos de quem opera o sistema para o sucesso da iniciativa. Um país continental, tão díspar e com características federativas tão expressivas, pode realizar muito dentro do que se espera da novel teoria ESG/GSA.
A Nova Lei de Licitações, como amplamente visto, reforça a teoria e em diversos artigos materializa a vontade estatal de congregar nas contratações promovidas pelo Poder Público os mesmos elementos ESG traduzidos na atividade privada.
A vocação para normatizar e teorizar pode ser canalizada para uma propensão à busca e concretização de resultados. Não importa quem vai sair na frente, se o ente federal, estadual, municipal, autárquico ou fundacional, se da esfera executiva, legislativa ou judiciária. O que realmente importa é que já é mais que a hora de migrarmos do plano teórico para o prático e, paulatinamente, com a clarividência de quem sabe onde quer chegar, as milhares de instituições desse país possam, através de seus servidores, criar um novo paradigma para uma outra nova realidade da esfera pública – o da excelência na prestação de um serviço público, seja no plano de sua atividade meio ou fim, considerando os eixos: ambiental, social e de governança.
Fonte: ONLL / Caroline Rodrigues da Silva