A falta de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) para a fabricação de vacinas durante a pandemia de Covid-19 e mais recentemente o desabastecimento de medicamentos essenciais expôs a dependência do país às importações dessa matéria-prima e tem mobilizado o setor farmacêutico a buscar soluções.
O Brasil só produz 5% desses insumos, o restante (95%) é importado da China e da Índia, segundo a Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos). Até o final dos anos 1980, o país produzia 50% dos IFAs consumidos.
Com a queda das proteções tarifárias à importação de produtos no início dos anos 1990, os insumos asiáticos passaram a ser ofertados a preços muito baixos e dominaram o mercado, diante da ausência de políticas de incentivo à indústria farmoquímica nacional.
O fechamento das fronteiras na China e na Índia durante a pandemia, e, neste ano, a guerra na Ucrânia e a alta do petróleo, provocaram uma corrida dos países em busca de alternativas para evitar futuras crises. Atualmente, o desabastecimento dessa matéria-prima afeta desde a produção de vacinas contra a varíola dos macacos até medicamentos essenciais, como antibióticos e analgésicos.
Na semana passada, a visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados americana, a Taiwan, reacendeu o temor de uma guerra comercial entre China e Estados Unidos. “Isso é perigosíssimo. Uma eventual mudança geopolítica deixa os países de cabelo em pé”, afirma Norberto Prestes, presidente da Abiquifi.
Os Estados Unidos, que também dependem de importação de IFA dos países asiáticos, anunciaram que vão fabricar 180 moléculas consideradas estratégicas para manter a soberania da produção e sinalizaram que tem interesse em parcerias com países aliados, entre eles o Brasil.
“Os EUA precisam trazer para mais perto deles, para os vizinhos, amigos, essa produção de IFAs que eles não conseguem ter controle. O Brasil tem uma capacidade produtiva boa, tem técnicos bons, mas é preciso fazer uma reforma dos custos que se tem hoje no país”, diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos).
A Abiquifi já entregou aos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia um levantamento das 50 moléculas estratégicas para a saúde pública no Brasil a partir de um recorte do consumo privado de medicamentos, que representa 30% do mercado. Entre eles, estão antibióticos, anti-hipertensivos e medicamentos para os sistemas nervoso e respiratório.
Agora, segundo Prestes, será feito um segundo relatório, a partir do consumos do SUS, para definir quais são os insumo prioritários. “A partir dessas informações, vamos começar a discutir um plano estratégico, assim como foi feito em relação aos fertilizantes. A indústria de base [química fina] para o fertilizante e agrotóxico é a mesma do medicamento.”
A estimativa é que será preciso investir de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões para ampliar a produção de IFA no Brasil. “Há coisas que dão para resolver mais a curto prazo, tipo três anos. Outras vão demandar cinco, dez, 20 anos. Mas não dá mais para adiar essa discussão.”
Outra estratégia tem sido uma parceria de empresas brasileiras com farmoquímicas da Argentina. Segundo Prestes, de 350 insumos produzidos nos dois países, apenas 20 são comuns a ambos. Entre as propostas estão a produção conjunta ou transferência de tecnologia.
No momento de crise, o abastecimento e a disponibilidade entram em foco, mas quando a crise passa, tudo retorna para a questão do preço, o que é compreensível porque [menor] preço significa [ampliar o] acesso. Mas a pior coisa que pode acontecer na saúde é a falta. Existem maneiras de equacionar essas duas questões, passa pela nacionalização de tecnologias.
Para Mussolini, do Sindusfarma, são necessárias uma reforma tributária e uma revisão do chamado “custo Brasil”, conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas, para que o país desperte interesse de empresas para a produção nacional de IFA.
Fonte: Folha de São Paulo