Quando entrou pela primeira vez no edifício da Santa Casa de Belo Horizonte, em julho de 2019, para travar uma batalha contra um câncer de orofaringe, o comerciário Sérgio Siqueira, 64, esperava ser atendido apenas pelo serviço de oncologia. Mas uma equipe multidisciplinar da unidade o examinou como um todo e detectou a necessidade de o paciente ser cuidado pela odontologia hospitalar, em um tratamento complementar ao qual Siqueira nem sabia que tinha direito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “Foi surpreendente”, relata o paciente, que extraiu seis dentes e passou por sessões de laserterapia, procedimentos que o ajudaram a evitar complicações e a lidar com as dores provocadas pela radioterapia.
Esse olhar mais atento, que enxerga o paciente como um todo e não apenas seu diagnóstico inicial, humaniza o atendimento e tem sido aplicado em algumas unidades que prestam serviço pelo SUS, sistema que completou 30 anos de regulamentação no último sábado. No entanto, muitos procedimentos sequer são conhecidos pela população.
Em Belo Horizonte, por exemplo, há algum tempo a atenção primária vai além das consultas médicas e oferece aos usuários do SUS atividades que valorizam o bem-estar e a qualidade de vida. É o caso de projetos como o Arte na Saúde, que oferta aulas de música, esportes e dança para crianças e adolescentes, e as sessões de Lian Gong, ginástica chinesa com benefícios terapêuticos para idosos e pessoas que sofrem com dores no corpo. Durante a pandemia, essas atividades estão temporariamente suspensas, mas a prefeitura estuda meios de retomar o atendimento.
Nos hospitais, onde pacientes estão mais vulneráveis, os serviços ainda pouco conhecidos trazem resultados positivos para a recuperação física dos pacientes e também para o emocional deles. É o caso da aposentada Shirley Patrícia Dias, 47, paciente do Centro de Nefrologia do Hospital Evangélico, na região de Venda Nova, que enfrenta com mais leveza o tratamento desde que passou a ter aulas do ensino fundamental dentro da unidade de saúde durante as quatro horas de diálise que faz, três vezes por semana. “É muito bom! E se Deus quiser, ainda vou concluir os estudos para cursar Direito e ajudar outras pessoas”, planeja.
Cuidado deveria ser padrão
Para a presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), Kátia Rocha, direcionar um olhar atento para pacientes e usuários do SUS e identificar necessidades que vão além do protocolo de atendimento deveria ser um padrão dentro da saúde pública. “Para mim, a humanização do atendimento é algo inerente ao serviço, não deveríamos precisar nem de política pública”, avalia.
Kátia admite que a rotina de hospitais e unidades de saúde, principalmente os vinculados ao SUS, é maçante, mas considera que o cuidado com o paciente precisa ser tratado como prioridade. “São pessoas, muitas vezes, em condição de vulnerabilidade, com demandas que vão além da saúde”, comenta.
A subsecretária de Atenção à Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, Taciana Malheiros, defende que projetos da atenção primária do SUS também são capazes de proporcionar um serviço diferenciado e humanizado ao cidadão. “Por isso é tão importante ter a atenção primária fortalecida, para ter uma organização da rede e garantir o cuidado”, ressalta.
O aposentado Raimundo Gregório de Paula Filho, 62, ex-paciente do setor de cardiologia da Santa Casa de Belo Horizonte, diz que a atenção diferenciada só deixa marcas positivas. “Muitas vezes a gente critica o serviço público e fica receoso. Mas sou muito grato pelo atendimento que tive”, elogia o idoso, que foi constantemente avaliado pelo serviço de odontologia hospitalar durante o pré e pós-operatório.
Resultados
Responsável técnica do Serviço de Odontologia Hospitalar do Grupo Santa Casa, Juliana Couto explica que a atenção de uma equipe multiprofissional é capaz de prevenir complicações e até diminuir o tempo de internação de pacientes.
“No caso de pacientes que aguardam um transplante, por exemplo, é necessário acompanhamento odontológico, porque um abscesso na boca pode se tornar algo grave, uma vez que esse paciente está com o sistema de defesa comprometido e isso pode acarretar em hemorragias”, esclarece Juliana.
Fonte: O Tempo